quinta-feira, 14 de novembro de 2013

AS MÁSCARAS (TEXTO PARA TEATRO - I)








São Paulo, 7/7/79




As máscaras




Queridos leitores, aproveitem as férias, limpem bem as máscaras, lubrifiquem e guardem na mala. As minhas, neste momento, estão aqui empilhadas, cheias de mofo. Puxa vida, meus amigos, em três dias de folga já estão em estado lamentável. Desprezadas, ficam rebeldes. Não gostam de férias as danadas, artistas biônicas. Estão morrendo de medo de serem abandonadas em algum asilo de circo, em prol da campanha do agasalho. Afinal, terceira idade principalmente gosta de esconder a cara enrugada pelo tempo e maus tratos da vida. Será que planejam levá-las para o asilo do magistério? Será que existe aqui em São Paulo? Bem, deve ser lá pelo Juquiri. Professor aposentado precisa sorrir e nesta altura da “nossa futura idade” (chegamos lá, não se iludam), o desgraçado desdentado vai cometer gafe, fazer careta para as visitas e ser mal-interpretado e cuspir recalques. Cuidado: fiz uma experiência e não deu certo. Pensando em fazer caridade, participei às minhas máscaras. Doutrinei. Sermão à La Samaritana para comovê-las, motivá-las para o Bem. Muito Bem. Pelo menos uma vez na vida, continuariam na ativa, etc e tal, pata-ti-pata-tá, naquele blá-blá-blá enrolado e altruístico que a gente aplica “na nossa idade” para matar aula sem remorsos, com a máscara dos Aparatos paramentada na bel-a-pelação. É, gente, sou esperta. Durante a catequese, eu estava mascarada para convencer as minhas alunas. Não sei se perceberam, a máscara do conselho-familiar é permanente e psicológica, já grudou na cara. Faço a higiene com sabão de coco mergulhando a cabeça na pia. Como sabem, conforme a família, só dá homem, ou mulher, tem-se que neutralizar a atmosfera da ambiência; se dizem imunizados, os maiorais donos do saco ou da sacola, é claro, envolvidos em plástico anti-germes, antiaids. Onde é que eu estava? Atualmente a memória é um fracasso. Mas vou puxar a linha emaranhada da terapia-crochê ou da pipa. Já sei. Eu estava aconselhando as minhas máscaras a se doarem. Ah! leitores, elas se doeram, sentiram dor de corno e choraram. Jogaram (se) na minha cara e falaram, criaturas de Deus! Sufocaram-me. Eu tremi, é agora. Parecia a superbronca: Onde estou? Quem sou eu? Que planeta é esse? Todas ao mesmo tempo me anularam, bronquearam a valer. Sabem o que disseram? – Eu, eu, eu, tu não és nada sem nós, e ao invés de nos mandar embora sem piedade, sem aviso prévio, fundo de garantia (Cara velha estranha não garante poupança – este era o estribilho), nos coloca, sua idiota, no museu do teu baú, para não precisares mais tarde de esmola, muito na moda filantrópica das madames. Vais ver o vexame. Vão te jogar as máscaras delas, te borrarem a cara velha, enrugada. São meias de seda, todas largas, furadas, te cairão aos pés e, se usares, todos fugirão do chulé. Puxa leitores, fiquei envergonhada. Como são inteligentes as minhas máscaras! Fui ingrata. Eu as tinha confundido com os nossos alunos, os seriais. Reagiram. Muito Bem. Não foram na conversa fiada. Sábias! São mais vivas que os meus filhos? Será? Será que viram a máscara gomarábica, refinada, do conselho de classe que funciona no espaço da escola, da família, das rodinhas da Igreja? Será que cometi uma blasfêmia? Por isso, resolvi não fazer planejamentos caritativos nas férias, envolvendo as minhas pobres máscaras, me desfazendo. É chantagem da grossa. Afinal não são minhas vassalas. Filhas sim da minha alma, com chavão e tudo. Verdadeiras! Eu as criei depois que nasceram milagrosamente para brilhar em vários palcos. Não são adotivas. Todas minhas! Eu inteira! Vocês não acham este achado uma glória? Pois é. Mas não pensem que a coisa terminou aí. Peguei a vara, coloquei-as de castigo e de cara lavada, desta vez com detergente, expulsei até a aderente. Encantaram-se na parede, também precisavam respeitar a mãe, que sofreu as dores do parto, mutilou sua personalidade, para que fossem gente decente, vivas, educadas, sociais e até falassem em vários níveis e registros sempre como boas artistas que se prezam, versáteis, poéticas, jurídicas, até médicas. Acusei-as de traição. Enfiei o fardão e a beca e fui juiz. A justiça em pessoa, equilibrada como uma boa balança, de horóscopo e tudo que não falha – Vocês são perfeitas, minhas caras fantasias desbotadas!? Muitas vezes, me falharam na hora h do atraso com mentiras esfarrapadas ou verdades, segredos de estado do meu “eu” que não podiam ser revelados. Abandonaram-me em alguns momentos difíceis, complicados, que fingir era o diabo. Elas tremeram, gaguejaram, mas no fim, ainda venceram. Impressionante! Defenderam-se, leitores! Saíram pelos cantos da parede, em fila, calmas e confessaram com argumentos irrefutáveis. Unidas! Não furaram a greve. Foram unânimes. Uma só falou, a líder. E sabem da maior? Veio mascarada. E eu, não reclamei. Era a aluna superdotada, excepcional, da minha escola. Aprendeu. Escolada! Não confiou nem em mim, ficou com Medo do S.N.I., DOPS ou que eu a entregasse para o Maluf ou Bin Laden. Sadan já tinha levado a breca. Mistificada, não pude identificar, por isso não posso dizer o nome, mas vou tentar reproduzir o discurso: - É verdade, falhamos algumas vezes e por tua culpa ainda não somos perfeitas, fato que, aliás, achamos justo. Se fôssemos, te perderíamos e não somos nada sozinhas. Tu precisas respirar. Olha para nós. Em realidade, por mais que tu te esforces ou tivesses usado a cuca no moldes, nos alinhavos, nas costuras e nas cores, não podes te anular. Olha, olha os buracos responsáveis, são as próprias falhas. És nossa MÃE TODA PODEROSA, dona da cabeça, dos olhos, da boca. A gente faz o que pode. Somos cegas, mas exploramos a tua visão; somos ocas, mas usamos quando dá o teu miolo; somos mudas, mas improvisamos a mímica sonora da tua língua. Participamos da tua poesia (aliás, faça-se justiça, é quando ajudamos mais, entras em transe, nos liberas, te damos o ritmo, a descoberta da obra, sem censura, a fantasia é pura. Neste momento somos verdades fantásticas). Leitores, este parêntese foi grande porque intercalados por derrame de lágrimas autênticas da minha Grande Máscara. Também chorei desprotegida, elas venciam. E, como estou de presente, choro de joelhos e sentada agradeço. Sem promoção. Sem falsa modéstia. Vocês não são meus empresários nem editoras, apenas amigas queridas que me entendem e me valorizam. Nós nos penetramos espontaneamente, nos revelamos por detrás de todas as outras máscaras falsas, reconhecemos ao longe no primeiro deslize. Creiam, somos velhos conhecidos desta e de outras passagens. Perdoem a emoção, tá? 




Eu me recompus, enxuguei os olhos com o avental que já estava no chão. Elas fizeram um ponto em reticência, não sei de que jeito. Respeitavam o meu sentimento, esperavam quase humanas e sublimes. Eu dei uma colher de chá, mantive a linha: - Vocês – usava o plural em respeito a todas – pararam em poesia, e daí? E o resto? Ela me olhou corajosa, de olhar vazado ainda úmido, brilhante e arriscou: - O resto pertence ao teu espírito indisciplinado. Ele move os cordéis, caímos por terra, obedecemos e só tu vences, somos os bonecos e tu o grande ventríloquo. Não seguramos a tua língua ferina, somos fulminadas pelo teu olhar. Impotentes na platéia, tu no comando do espetáculo. Admiramos a mãe soberana. Aplaudimos delirantes quando acertas. Se erras, não vaiamos, nós te amamos. Torcemos pelo sucesso. Quando fracassas, devias prestar mais atenção nas palmas da abertura, fracas na multidão da turba, mas são das tuas macacas solidárias na desgraça. Fomos e somos sempre leais, verdadeiras amigas. E um segredo: existem outras que silenciam às vezes, por medo das contingências, mas estão na tua, são raras, mas válidas. Eu desta vez a repreendi pela gíria e perguntei os nomes, ela se admirou e respondeu: - De algumas, tu já sabes, não te faças de boba e pediu desculpas. Há outras anônimas, não sejas apressada, elas vão se identificando pela tua vida, pelos teus caminhos, são máscaras vivas, artistas afinadas contigo... Nós até ficamos com medo de que o número aumente e tu não precises mais da gente. É, temos ciúme, mas construtivo, tememos por ti. E agora vai em férias, nós seguiremos invisíveis na tua sombra, se precisares, num passe de mágica, pularemos para tua cara, inconscientemente. 


Se ficares só com elas, por mais sinceras que sejam, são engajadas também na tua sociedade, presas pela sobrevivência. Vais precisar sempre de nós enquanto viveres. Te damos pouca despesa, não comemos, não vestimos; pelo contrário, te revestimos. Não possuímos fisiologia nem muito raciocínio. Submissas e emotivas, ligadas ao teu coração, a tua alma, ao teu mistério. Não confundas. Em realidade somos unas. Creio que está aí o segredo dos fracassos involuntários – Gaguejava, quase se revelando, eu aproveitei e entrei de sola – Já sei quem és – tive vontade de dizer um palavrão, mas moderei a língua, para dar exemplo e mostrar também que dominava o espírito – és a máscara da Arte e ainda por cima incógnita colombina, né?! - Puxa, aqui cabia, “sua idiota”, mas não saiu em tempo hábil – Entendi. Quando preciso das outras, fogem como se estivessem mortas. Vou viver de poesia como professorinha? Vou? Vão me encher a barriga? Pagar as minhas dívidas? Escrever quimeras, gastar tinta, papel, quando devia investir na poupança!? Descoberta! Quando preciso corrigir provas, fazer média, almoço, feira, faxina, lavar louça, roupa, estudar para os benditos trabalhos do meu complemento pedagógico, visando à evolução do Muito Bem para me promover, carregar a sacola da diretora, ajudar no horário, na disciplina, fazer gráficos impecáveis em letra de Forma para “Reposição informativa do horário virtual dos sábados, vocês me falham, dão a chance para... – Chiii! Bico calado!.. Para Nicolas – rima melhor com sacola. Continua se intrometendo e atrevida com gíria torpe e tudo, pornográfica!


- Caí em mim – Gíria? Falei gíria primeiro? Será? E ainda suja? Devia ter proibido desde o início do papo. Eu conjeturava em silêncio. Ela aproveitou e saiu dos murmúrios e desconfiada, entrou direta: - Não podes me censurar, olha a abertura. – Não entendi bem a referência. Ao buraco da boca de língua solta? À abertura da Arte ou À do Figueiredo, com anistia? Na dúvida, deixei passar, dei uma de migué e fui em frente: - Censura né Dona Arte? Pensas que podes dizer tudo e me comprometer? Pois é, como estava dizendo, vocês me abandonaram nos meus interesses de 1ª e me deixaram fora da jogada, impedindo-me de escrever ensaios filosóficos, cheios de versos, ecos, cartas poéticas, crônicas, a contar tudo no canto do embalo, que não me rende um centavo. E agora até teatro, como hoje, que devia ser prática, usar a máscara Objetiva e redigir um artigo de jornal. Ouviram? Vocês entendem disso? Não é a toa que passei aquele drama na prova de Estatística, tive que colar, uma vergonha! E agora me deram a chave do passado! É sim senhoras! Lembram-se daquele vexame na prova de desenho geométrico, com régua e compasso? Tive que trocar de prova, com um colega cabra macho, caritativo. Lembram-se minhas adoráveis amnésias? O professor descobriu e foi aquele escândalo. A máscara Exata por onde andava? E aquela 2ª época em Física? O Nilson Paula aprovou-me por piedade. Fiquei humilhada. E só tirava 50 em matemática, passava raspando, o professor era uma fera, o Dammiani. Lembram-se? Pois é, não dava de colar, quando ele me mandava ao quadro até mijava. E por onde andava a Máscara privada? Científica? – Científica? Nisso até que tu te viras? – Não resmunga, e a Máscara das Ciências Exatas, a Cartesiana? Onde? Onde? – Ela não se agüentou: Devia, andar aonde a onda anda, ou no caminho por onde a pedra rola, sei lá, na onda do Drummond e Cias. – Muito bem, então confessa quem és? Quem são todas? A loucura, não é?! A esquizofrenia? E que não há razão para uma professora que se preza, ser poeta a toda hora, tá fora! Um fora mesmo! Isso que vocês me deram. Confessa, confessa logo, esta estória já está histórica, é madrugada e eu preciso dormir. Tu não dormes, né idiota, musa-coruja e eu ainda nem comi. Regime forçado. – Idiota? Mas não queres andar na linha? É verdade, mas não vou dar uma de mariposa, de motuca ou Juca, né?! Vocês querem me matar?! Quem vai pagar o enterro? O dinheiro? – Darei um jeito, quando chegar o momento, serás levada em coro num belo cortejo de máscaras. Será a tua Apoteose, a mais bela Alegoria, a tua Alegria. Só depois de morta, verás a tua glória póstuma, nós te publicaremos e provaremos o teu equilíbrio artístico, dançaremos o teu ritmo – Quero agora, agora! – Não precisarás mais trabalhar, só poetar. Estarás livre e nós, mais subordinadas do que nunca à prisão da liberdade. Serás múltipla com uma só figura. Unidas subiremos contigo – Subirão? E quem vai me consagrar? Quem vai ficar? Tu máscar-AR-te? Confessa, senão te desmascaro e te mando para o hospício eterno do magistério.




- Não posso, mentiria. Há uma entropia – Empatia? – Também, mas há a Arte da Arte ligada à Vida, que nos deriva em energia. A base de tudo, o eterno. Dorme, descansa em PAZ, na infinitude intermitente do vai e volta. É tarde agora, atravessa a noite e espera o fim da madrugada e te despede dos teus amigos leitores e colegas. Já estás cansada, com frio, virada do avesso, nua em tua plenitude.




Leitores, eu levantei o fardão, a beca e enfiei na grande máscara. – Pronto, és a justiça, a justa, a Polícia, a Vitoriosa. Amanhã vou limpar vocês todas com Pinho-Sol, perfumar com lógica viril do English Lavand Akinson, reciclar, para usá-las em agosto ou final de julho – A coisa agora apurou, é mais cedo. - É, pode falar alto, não é segredo. Vão ser promovidas. 

- Mudar de grau? – Quem sabe, se me ajudarem e, com abono incorporado, os 24% sem antecipações, adicionais, 13º, anistia ampla e irrestrita – Só dá nº de azar!!? – E daí? O negócio é faturar, meninas! E só quero M. B. – Que M. B. é este? Alguma zebra? – Muito Bem, Muito Bem, Muito Bem!? 



- Muito bem. Já entendemos e não queremos esta roupa preta horrorosa ou verde, não somos acadêmicas, nem Justiça e muito menos polícia. 

- Mas serão Guardas, Guardas!

- Muito bem, anjos de Guarda. Boa noite. E nada de versos por hoje.

- Boa noiteeeeee! 

Rezem e agradeçam. Podem guardar o boné do Corinthians, estamos em férias. Naquele mês não compus uma linha.

- Em agosto pode? – Estão loucas, em agosto só darão desgostos; mês do cachorro louco, vacinas, replanejamentos... Nada disso, só podem voltar de Arte em punho lá para...

- Outubro? 

- Não, balança tudo, só em janeiro, na Terrinha da Catarina dos Ocasos raros, lá no mato entre os sapos e grilos.

- Grilos?

- Sem grilos, prometo. Terão como fundo além daquele barulho africano sonolento, o sibilar do vento, o soluço do mar, o assobio das aves.

-Toda onda que pintar? 

- É, todo o quadro, partitura, tudo sem moldura, nem contorno nem formatura, versos dispersos, satisfeitas? Agora sonhem com o MB, MB, MB, MB, contem carneiros em MB, encarnem-se nos números próprios para representar Muito Bem. Terão que pastar.

- Neste asfalto?

- Exato, minhas Exatas educadas na FÍSICA - DOR - AVANTE. Avante! 

- Mestra poeta de uma figa!

- Não xinguem.

- Estamos brincando.

- Fingidas!

- É que já começamos a ensaiar.

- Muito Bem, sábias horrorosas. E tu, Durex do Exército da Salvação, Esparadrapo, vem cá, cur-A-tiva ocupa o teu lugar, Superbonder, preciso dormir em PAZ e acordar mascarada para enfrentar o domingo com marido e família, pelo menos a aderente não pode me faltar.

- Falou bicho.

- Que linguagem é esta?

- É que fiquei ouvindo, sabe como é, né?

- Tu não podes te exceder. Norma elevada, culta, sóbria, clássica!

- Minhas escusas e com licença, tenho que aderir, me dividir para o MB de amanhã, paciência. Pronto!

- Que sono!

- Que sonho, meu Deus! E acordada ainda?!!!

- Bom dia leitores, espero que tenham se divertido.

Em agosto quando entramos na Escola, todas estavam a postos e não paramos mais de criar casos, poemas, contos, sátiras, repentes, modinhas, baladas e muitas crônicas à medida que se ia resolvendo os problemas cotidianos inverossímeis e fictícios. Ninguém nunca ficou sabendo que eram reais. Em 4/8/2008 - data da reformulação/

14/11/13 - data da publicação. 

Marlene Vieira Perez - MPerez                           




Designer DougB




Um comentário:

  1. Atenção, amigos e leitores! Este texto de teatro ainda será revisado, não está terminado, mas já dá pra ter uma ideia
    do conteúdo e da forma. Obrigada...MPerez

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