terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Apologia à Merda


Apologia à Merda

(Texto inspirado numa carta, para animar um filho a terminar seu curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro, localizada na Ilha do Governador, apelidado pelos estudantes de O Fundão da Merda)

O Fundão está menos mergulhado na merda. Sim, porque segundo o que me ensinaram e eu lombriguei pelo microscópio, detritos orgânicos são os que se salvam ou se afogam dentro da merda. A merda propriamente dita, não passa de merda mesmo, ou seja, a merda dos dejetos que caíram no intestino da merda que os recebe já em bolo de vômito do estômago que o havia requisitado à boca o que esta abocanhou em algum lugar e mandou os molares e os caninos triturar. Em alguns casos toda esta descrição fisiológica retroativa  é desnecessária pois o cara já come a própria merda no duro. A fisiologia digestiva do pobre deve ser enferrujada, depressiva. E a ironia está na organização perfeita, idêntica a do rico. O desgraçado paupérrimo ainda enfrenta a antítese de trabalhar como uma besta e sentir suas vísceras na preguiça, em greve por falta de matéria. O grude é a matéria prima do pobre que ele já engole como uma merda mole mesmo. Bem, depois desta filosofia de merda, chega-se à conclusão da seguinte tese: onde há excesso de merda de gente e de cães até pelas calçadas é sinal que há comida sobrando. Cagam tanto que as privadas e as praias infelizmente já estão lotadas. O rico é de merda prima. O pobre de merda primorosa, é antologia, a flor da obra. O pedreiro lá no fundão mesmo da história é que caga a poesia concreta da arquitetura moderna. Portanto, meus filhos, meus netos, meus eternos alunos, meu povo, não liguem para a merda que os rodeia. É preciso cagar-se até de medo, ter vivido na merda, amassado muito traço de merda, ter traçado muito troço, gráficos e mapas etc., ler e escrever muito na merda, perfumar-se dela, para um dia se ter condições de criar até da merda, sem preconceitos um poema, uma crônica como esta, uma planta, um projeto, levantar um prédio sem cagar as mãos. Não há planta nem prédio perfeitos e viáveis sem calcular o local da merda.

Um parasita retardado que se caga pelos poros ou pelos olhos com medo de ser Ele mesmo, sempre fará feio: obstruído, sem visão, tato e sensibilidade, jamais dirá com arte, por exemplo: a trampa, expressão regional de um operário que foi meu pai, que lia Bocage e Camões e ainda se dava ao luxo de entender o simbolista medalhão e conterrâneo Cruz e Souza ou poetas líricos e épicos mesmo de merda de uma obra concreta, difícil, plena de cálculos embaralhados, surrealistas, divinos e artísticos e quando acertava abria um sorriso na sua ingenuidade sábia e vitoriosa. Quem não entende de merda, gente, não sobreviverá à poia circular da vida, cagalhão duro e i - n - mundo. A merda figurada ou real da vida não atingirá àqueles que a conheceram primeiro. Imunizados não correrão o risco de contaminar-se pelos vermes. Toda barreira de bosta será transposta sem bota, os pés são garras, cascos a qualquer prova e viva a rima, os trocadilhos, os neologismos regionais ou não e todos os palavrões na tentativa de perseguir o surpreendente, porque o inédito  não existe do certinho e bem comportado, nasce do caos e do saber com intuição, arrumar a casa, metendo os pés pelas mãos. Nesta escalada também não há lugar para nenhum tipo de luvas, principalmente o de pelicas. A imunização é fato consumado. Os merdas se cagam na armadilha, olhamos por cima como vacinas, à espera do cagado, que virá um dia aos nossos pés implorar o antídoto. Mas antes é preciso viver muito na merda, aguçar o olfato para senti-la a léguas, cagando à vontade. Chega de merda por hoje. Qualquer dia irei visitar este Fundão de merda viajando pelo esgoto. 

Escrito em fevereiro de 1977-SP... e revisado em 14/11/13.
Marlene Vieira Perez - MPerez 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Presa Viva




PRESA VIVA

Não aconselho 
que me devores
a carne está rija e acre
me devolve apenas
à minha natureza desumana
abre a gaiola
e me solta no vácuo
ficarei boiando 
curada no espaço
sem dores
abobalhada
novinha em folha
rodeada de amores imperfeitos
e inocentes
dos quais não tenho medo
e tu livre de mim
que dou tanto trabalho
irás caçar borboletas
pra ser feliz!

Marlene Vieira Perez - MPerez - 20/11/13



Náufrago



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Virada


Virada
eu ando tão apagadinha
mancando
curvada
a um peso descomunal
do passado?!
corro na praça
descompensada
acho que é medo
dos desencantos
inesperados encontros
o coração bate fraco
desconsolado doi, doi
me consolo na virada
da poesia piada
e me espanto de não dormir
à noite comemoro
rindo rindo rindo
de mais um dia
longe dos calafrios hediondos
tomo um calmante para acudir
meu pranto



Marlene Vieira Perez - MPerez - em 16/11/2011