sexta-feira, 19 de julho de 2013

Último Eco

Último Eco 

Um nada de vida
um corpo esfolado sem abrigo
repugnante
retendo pelos soltos

Uma superfície lisa de estrias
escorregando dois mapas
num esboço de caspa
em farpas gomadas

Um gotejar sebáceo
dos furúnculos-mares

Uma busca eterna de tecido
para o uniforme frio da guerra   





Um caminhar em zig-zag
altos e baixos sem sapatos
reconstituição no vale
novo fôlego
um gole
vestido novo de voile
sensibilidade

Rompimento rápido na subida: frangalhos
película de fígado jogada aos gatos
poros abertos cobertos de bolhas
que vertem nojo

Nova descida
um recomeçar
um novo dia
carne ressequida
odor de almoço sem prato

O último níquel investido no alfaiate:
mortalha errada.

Nova subida nua
chegada profunda
último berro
última tentativa
último Ecooooooooooooooooooooooooooo   

Marlene- MPerez – SP - 1998-  Designer: H.Fontes

Ecos de um Regime...

Ecos de um Regime...  



Atenção! Descoberta milionária! Se ligue, se ligue. Emagreça fácil com economia e insight. Relâmpagos. Raios. Diabo a quatro. Trovoadas e trevas. Noite cerrada. Boca fechada. Olhos abertos.
Exagere. Arregale. Alucine. Viaje.
Suba nas paredes e caia na rede. Na teia. Na intriga. Na aranha do Maquiavel. Do mosquito esquálido. Desidratado. Da coruja piando, piando. Lobos uivando. Morcegos sedentos. Casas mal-assombradíssimas. Complete o cenário e entre.
Fuga espetacular. Sem fórmulas nem pílulas, academias, musculações, exercícios repetitivos investindo em tendinites, alongamento com cara-de-pau-de-arara, torturas de masmorras, solitárias, retiros, jejuns, penitências, castigos de ditadura, agulhas, acupunturas.
Corridas sem motivo nem destino nem glória, lá na Beira-Mar como idiota. Droga. Droga. Não vire defunto antes da hora. Esqueça tudo. Decrete amnésia por conveniência, não seja besta.
Do presunto, só a alma, o fantasma horripilante, fétido, se decompondo aos berros. Medo. Muito medo. Abuse dele em doses letais, fenomenais e se arrepie todo. Overdose de frio. Calafrio. Trema. Trema, seu sem vergonha. Desde a espinha até onde pode armado como um bode. Pernas bambas? Ótimo, ginástica espontânea.
Fim-de-semana de spa? Nem pensar. Já esqueceu do último que lhe custou os olhos da cara e você não emagreceu nada? HIV à solta com olhares de pomba, naquela piscina contaminadérrima?
Sem falar na passeata daquele campo de concentração pra se formar em antroposofia, seicho-noie com mantras e incensos, de barriga vazia para elevar a sua alma com a receita dos caras? Comida! As múmias gritavam em silêncio por trás das máscaras soturnas. Um horror! Comida! Comida! Prática suicida. E a barriga? Após o balanço e o banquete de fim de ano? No final das contas? Um pudim, pedindo aquela lipo toda íssima de perigo e grana.
Garganta, meu amigo, papo, papo. O do pescoço então é de dar dó às franjas da vovó! Sinal evidente de radicais no pedaço? Livres? Não confunda.
Não se iluda, meu chapa. Estamos condenados àquele menu miserável que nos irrita até as células famintas. Mas não desista nunca, desgraçado! Você está agora perambulando naquela casa do arco-da-bruxa. Entre no quarto. Tranque-se com Trancalar tetra (durma só após o espetáculo). Grades e chaves Yale. Cadeado Pado! Pague seus pecados. Segredos de estados. Alarme. Câmeras. Sensores. Painel eletrônico. Banco blindado. Cofre e gaveta de usurário. Conhece Molière? Seja clássico, intelectual, elegante. Tenha charme. Leia a obra completa do autor francês. Nada de música caipira que dá vontade de comer galinha à cabidela, molho pardo. Um fardo. Esqueça a campainha, o telefone, a vizinha e o perfume da panela dela ali pelas sete da noite. Calma, calma, é apenas o guarda. Use algodão no ouvido, no nariz e se deite como um condenado sem a última ceia. Tudo a mão? Remédio da pressão se precisar. Bala light, guaraná diet e chocolate? Não, não, têm cafeína. Cuidado com a osteoporose. Maracujina, Pasalix podem. Não coma nada, absolutamente nada. Reviste tudo, o colchão, o travesseiro, ácaros têm caloria. Cuidado com a rinite. Suba como um anjo sem ranger de dentes nem ruída de unha porque engorda, seu boboca. E depois pega mal, sorriso a meio-pau e dedo pitoco. Não esqueça: mão leve, à top model, unhas enormes à madrasta da Branca de Neve ou a vampiro que se preze. Água, muita água. Uma moringa é a medida... e disfarçando coloque embaixo da cama o pinicão ridículo, herança de família. Não desça por nada. Fique por cima mesmo. Que mania! E não se mecha. Brinque de mandrake, atalaia, guarda. Esqueça a escada: cilada. E o tombo no escuro? Acender a luz? Bilolou de vez? E a multa, seu otário? Escorregar tateando pra aquela geladeira apagadérrima? Nó cego. Nó cego. Ser gordo é uma coisa, também ladrão é muita soma. E a sua dignidade? Por terra no primeiro assalto? Cuidado com o gato e nem lebre pode. Vai devagar: comer o pernil do porco resfriado no lugar daquela cenourinha vitaminada? Mais um crime? Virou também assassino? E lá no endócrino, cardio, geriatra, ortomolecular, homeopata, etc., todas aquelas pragas? Tem que rimar, tem que rimar. Rima pode só com eles. E na festinha? Tem que dançar à moderninha: lambada, rock, rap, reggae e escumbal, pagode, axé, macumba!... E ali na raça, seu Zé, pra não fazer vexame. O pior mesmo é naquele churrasco, você enchendo a pança com cara de madalena arrependida, xingando a comida de bosta. Vê se te comporta. Idéia fixa, malandro? E o raio do respeito humano? Vê se te manca. Fecha a boca e come escondido a ração de coelho, cheia de agrotóxico ou então o caruru do pasto mesmo. Tem que pastar.
Mas vamos ao que interessa. Chega de conselho, de aquecimento. Acabou descendo? Ascenda a vela e suba correndo. Prontinho? Em posição de ataque? Deitadinho? Mortinho? Vivinho? Um, dois, três. Partida. No vídeo se inicia um filme de terror. Tan, tan, tan, tan... horripilante, pingando sangue. Borre-se de pânico. Drenagem. Bagaços, detritos e todos os restos pra fora. Pra fora!! A pele da donzela? Uma rosa. Claro que você não esqueceu do fraldão, do lençol de plástico adorável e daquela comadre chata da maternidade. Você não é louco! E se o pastor do lado, a vizinha ou o padre derem ouvidos ao eco de socorro? Socorro! E a cara de nojo? Terrível. Um homem prevenido vale por mil. A fome agora está nos quintos dos infernos? Confere? Esqueça o controle remoto. Nada de jogo, Jô, selecinha, etc, só servem pra encher o saco de pipoca. Torça pela mocinha cega, virgem, paralítica. Grite. Vibre. Chorar também pode. Rir é obrigatório para o quadro alucinógeno. E em seqüência se convença de que o bandido periculosíssimo, cheio de taras freudianas de mãe, armado de facas até os dentes, com mania de mágico do fantástico, quer fazer você de alvo?!! E se encontra lá embaixo escondido atrás da geladeira-refém, prontinho pra dar o golpe, enquanto a vítima lacrimeja em plena escuridão. No cenário, o espírito das trevas, dos infernos de Dante ou da terra mesmo. Marcha fúnebre ao fundo com procissão e tudo. Na mira Hitler, Lalau, o Lampião todo aceso, o maníaco do parque e o bandido da luz vermelha de lanterna em punho, fingindo-se de pirilampo, anjo noturno, salvador do mundo, luz de emergência. E o desfile começa. Cague-se todo, mas não desça. Estão procurando um artista vivo para fazer o papel de senhor morto na procissão e querem o máximo de realidade, não preciso explicar e aceitam qualquer sexo. Senão conseguir um senhor macho, vai gay ou mulher mesmo. Seus belos cachos vão por água abaixo. Não se entregue pro miserável, vampiro atrasado, réplica de garanhão de filme pornô, leão de chácara de boate gay, doublé de favela, atravessador de vídeo, pirata de fita, cd, estuprador, tarado. E não me venha com desculpinha esfarrapada de salvar a mocinha indefesa com cara de geladeira. O ritual deve se repetir todas as noites durante o mês. Contrato de experiência. Surpresinha na balança. Menos com menos? Deu mais saúde, elegância, beleza e economia pra você, meu viciado compulsivo, viu? Cura sem nenhum sacrifício nem prejuízo. Coragem e boa sorte. Não me espere que eu não volto mais com essa. Estou com pressa, vou atrás de velas e passar na loucadora e comprar a fantasia completa de bruxa da festa do Hallowen. Até a próxima.

Marlene- MPerez – SP - 2001-  Designer: H.Fontes