terça-feira, 17 de dezembro de 2013

NATAL SÉCULO 21




NATAL SÉCULO 21

ENFRENTE TUDO
O TRÂNSITO, A CHUVA
O CHEFE
AQUELE SEU AMIGO DA INTERNET
MAS À MEIA NOITE REZE
CONTRA O CRIME
DE TODOS OS PODEROSOS
BANDIDOS
MISERÁVEIS,
TRAFICANTES DO TEU VOTO
ENQUANTO O CÂNCER POLÍTICO MATA
À FOME E A DROGAS
O AMOR DO TEU FILHO!
EEEEEEEEEEEEEEEEEEEH!
FELIZ NATAL SE FOR POSSÍVEL



Marlene Vieira Perez - MPerez - 09/12/2011

Ressurreição


Ressurreição

Precisa ser só alma
sem ter morrido
e acreditar nisso
precisa ter mais de 70 anos
e ainda ter um plano
olhar intrigada para as pessoas
com piedade de você
e pensar
se soubessem que já morri e voltei?
e que me sinto um recém
nascido de quem
em busca de aventuras
?
e aqui à espera
apenas de um sinal
para seguir em passeata
chegar na última galáxia
onde moro!?
mas nada falo
e prossigo curvada




Marlene Vieira Perez – MPerez – em 27/01/12

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

CONVITE ADIADO




Ao fim de cada dia
chegue-se com sua ironia
e arroubos de porre louco
mas chegue em dia
enfastiado
meio inteiro meio em pedaços
mas venha
e como sempre lentamente
para implantar o caos
politicamente pelas beiradas
a sua cama já está feita
refeita
desfeita
não é mais minha, nossa!!
chegue um trapo
mas bem vestido
naquele embalo cínico
de um arremedo de homem caindo
covardemente
não me suporto mais equilibrada e morna
a olhar-me numa paisagem falsa
e ver a sua cara atravessada
num espelho alheio
quantas vezes?
Ao fim de cada dia se achegue cada vez menos menos menos ... MENOS!!
Marlene Vieira Perez - MPerez

VISITA




terça-feira, 10 de dezembro de 2013

ESTRANHOS


eu me pressinto pesada
muita carga pouco tempo
temo me perder pela estrada
os que vão prosseguir
estarão escondidos??
à margem na mata
espiando espiando
como bandidos!!??
impossível
por que não
me ajudam enquanto ainda respiro?
- estranho
muito estranho... estranho...
Marlene Vieira Perez – MPerez - 16/11/2011


INDAGAÇÃO



Amiga e fã fanática
da minha arte inexorável
soro vacina
que se cria recria
mas não se guarda por quê?
A fonte é inesgotável?
Aqui achas minha seiva
numa gota vermelha
e te achas toda?
Mistura solúvel
pra tua sede insaciável
de água salgada e doce?
Sereia movediça
areia ressacada e áspera
musa ingrata dos meus retalhos de
corpo e alma,
por que me abortas na praia
na espuma do nada?

Marlene Vieira Perez - MPerez -15/05/2011

domingo, 1 de dezembro de 2013

LACTOSE


LACTOSE
Ah, nós poetas
de amor batido
cheirando a leite
a cueiro
mamadeira
choramingando ramelas
nos seus lamentos
escondidos
nas claras espumantes
ali em cima da mesa
ovo mexido
muito açúcar
moscas competindo
com versos eternos
permanentes de leite
assim como dentes
implantados
URGENTE
a alergia
será bem - vinda!


Marlene Vieira Perez - MPerez - 26/04/2011

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

HUMOR


I - Modelitos de Mensagens para Aniversário de Filho
    (atenção mãe, escolha o seu)

(  ) 1º) Meu querido filho saudoso, forte como um touro, o soldado de vanguarda que roi até o osso como um cachorro mas não foge da batalha para defender a mãe-pátria, feliz Aniversário, meu amigo fiel, meu Segurança! Viva-a-a-ah!

(  ) 2º) Mos Parabem, mo fiu, descurpa as farta di letra, tu sabe fiu, a manhinha é anarfabeta mas tem um corassão nu peitu, muita saúdi, viu fiu, i juiso e num deicha fartá leite prus curumim, o vô cassiq Juruna num ia gostá, ia inté cortá pédra, tô sucegada pru modi di que tu, mo fiu, éz igar. Inté. Descurpa as borrada ô burrada, porrada, edicetra.

(  ) 3º) Meu querido filho (nome), felicidades! Talvez não vá pelo teu aniversário, o meu costureiro Clodovil, aquele luxo, está negando fogo no atelier, mas não te preocupes porque já encomendei um pretinho (no) do Armani com acessórios da Daslu. Fica calmo, não deprime, a mamãe não vai te envergonhar, dará tudo certo. Reserva desde já uma mesinha redonda lá no Lic, porque eu vou levar a galera (ah, ah, só pra descontrair) da filantropia, fiquei amiga da primeira dama é mole? Um beijão.

(  ) 4º) A mãe se aposentou e já vai correndo para aí dar uma mãozinha. Estou preocupada com a gripe do frango, melhor não comer carne nem derivados devido à febre aftosa. Repara aí no morro se tem capivara solta, gado, cachorro e gato e principalmente carrapato 5 estrelas, está investindo, cuidado com a febre “mafiosa”. E nunca é demais avisar, cuidado com as cobras, principalmente a Urutu-Cruzeiro. Bota nelas! E pra que lado estão os ventos? Os furacões, ciclones e terremotos do Apocalipse que tarda mas não falha, está investindo. Não te esquece dos raios do respeito que o partam ao meio. Urgente apara-raio! A mãe já anda cansada, um perigo, provoca circuito. Parabéns.

(  ) 5º) Como vão aí os Hare Krishnas, os Rosas Cruzes Credo, as urucas, as mandingas? Não te preocupa, já estou levando logo uma poção infalível, legítima, pinga batizada, direta do alambique da cigana bruxa velha, guru, xamã, pai de Santo, das boas. E claro, estou aqui nos rituais satânicos para atacar o inimigo e limpar a barra...do Sambaqui. Compra vela, separa umas galinhas pretas e gordas, se estiverem com a gripe do frango, melhor. Vela só da preta e da vermelha das que o Diabo gosta. Reza também pras caveiras do cemitério ou da morada da Gralha Velha em extinção (como sabes mudei a placa). Feliz aniversário. Não te esquece de jogar pinga na pia.

(  ) 6º) Meu filho (nome), muitas felicidades, não telefonei devido ao preço, muito caro, no momento me encontro apressadíssima, vou investir na bolsa. Não me espera nem no Natal, passarei em Paris. Nequinha de presentes. O Euro está um horror! Darei uma passadinha na Espanha pra sondar os investimentos em família e se há ainda alguma herança. Beijos.

Obs.:  Procure incorporar aquela que você escolher, podendo mudar no próximo ano. Nada como ser portadora de esquizofrenia.

Marlene Vieira Perez - MPerez

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

SOL POENTE



SOL POENTE
Sou mulher apaixonada e morna
como sol poente
não me adules
vem nu so-mente
para unir nossas rugas
cara a cara
e nossa pele madura
no espelho mútuo
apenas um reflexo macabro
de uma fêmea e um macho.
 
Marlene Vieira Perez - MPerez

INSPIRAÇÃO


INSPIRAÇÃO

Te amo:
só isto me inspiras
no presente momento
estou aberta em tela
me dá as tintas
conserva-me em formol
ando desbotando
em cores pastéis
porque ontem recebi alta da loucura
e hoje sou apenas só
mais uma
do chá das cinco
de regime certinho
virei socialista às direitas
prontinha pra comemorar
o dia da criança e da mulher
pelo menos me traz uma bala
e um botão de rosas
juro q estou submissa
não me batas de cinta
já podemos voltar pro nosso lar
pra aprontar loucurasssssssssss
Marlene Vieira Perez - MPerez

O VALE DA BOA SORTE




I - O VENENO DA COBRA


Nossa história começa quando eu saí da casinha do caseiro para uma casa maior construída aos poucos, tipo embrião, que nasce mais perto do morro e longe da estrada. Não estava pronta, só o suficiente para entrar e ir me aninhando assim como pássaro talvez fosse meu último viveiro. Passei a recriá-lo. É gostoso e estimulante ir recriando o canto da gente até emudecer. Crescemos quando o espaço parece se alongar? Não, o espaço se alonga quando crescemos. Como gostaria de defender uma tese. O tempo se prolonga na beleza desse meu canto longo ou breve e não cansa. O nosso espaço só traduz a liberdade quando espanta a solidão. O canto se propaga. Interessante, não há filhotes humanos, mas eu me procrio todos os dias com a natureza. É como casa cheia com muita harmonia. Tudo são acordes para a vida até na rotina ligada à sobrevivência. A minha poesia ainda precisa de um quarto fechado, mas não me sinto presa. É como se não houvesse paredes. Reconheço, no entanto, que não há natureza viva ou morta que substitua a humana.
A cachorra late às vezes no mesmo compasso do meu canto em silêncio. Eu fico alerta. Interrompo e me lembro que está com fome. A Malu me desperta para sua realidade sem perceber que é mais ou também minha. Levanto-me e vou esquentar seu grude caprichado. O cheiro da comida é gostoso, me abre o apetite, então como alguma coisa da geladeira e saio com o prato da cadela, troco sua água escaldante, afago-lhe a cabeça. Antes de comer, me lambe as mãos e seu olhar é tão significativo, tão poético que eu lhe daria um prêmio Nobel. Não sei se da paz, de literatura ou de psicologia. A Malu é o meu poema concreto, vivo, que se coça para expulsar os parasitas invasores. Recuso-me a recriar a minha cachorra Malu. Poema não se emenda. Estou banindo no momento todos os sentimentos de culpa, por que arranjar mais um, não acham? Crime que a Malu como uma verdadeira pastora alemã que se preza não me perdoaria e Deus me livre de me indispor com esta amiga tão pura, tão bela, tão útil e tão fiel. Se desço o morro à noite (verdadeira pirambeira cheia de buracos e cascalhos escorregadios ensebados de barro) mal iluminado, dou de cara com a Malu que vem ao meu encontro e se encosta às minhas pernas. Se eu me assusto e paro ela fareja em todas as direções, abana a cola e me olha. Está na hora de prosseguir. Que energia me passa, que coragem, que alegria de estar viva! Sem dúvida a Malu é um grande dia. Até quando escrevo, ela dita. Puxa vida! Sou uma artista, nem preciso de média, de mídia, de concurso, atravessador e etc. Com ela eu me sinto heroína dos filmes de matinée, uma criança, mas no fundo reconheço que a Malu me desbanca de dentro da sua humildade de figurante, sem esperanças de fazer carreira e de um dia chegar a ser protagonista, mas ela sabe que é a minha favorita. A Malu também sabe que vai morrer. É diferente da galinha da Clarice Lispector. Não é só instinto não. Quando estou doente, não sai do quarto com cara de vigário, extrema unção, agouro de enterro, marcha fúnebre. A diferença é que o vigário não chora. Eu nunca vi. A minha Malu gane e verte lágrimas. Sei que ninguém acredita, acham que é delírio. Para tranqüilizá-la eu até melhoro, me levanto, ela abana a cola, olha a porta. A Malu deduz tudo por indução. Craque em lógica e matemática. Deu pra deduzir que também morre. Quando fica doente agora faz muita manha. Há dor de separação e angústia no seu olhar. Ela manca levemente de uma perna, sofreu um acidente, ficou toda engessada e me deu um trabalhão; mas obediente, ficava quietinha e tomava as injeções sem um ai. A Malu não dispensa comentários. Mas dispensa poemas e eu respeito e a amo. A última descoberta da Malu é dar mancada psicológica, porque sabe que me dobra, eu quase acredito, pensando bem, nem finjo. Acredito mesmo. Os caminhos da Malu são magníficos e afiados. Bota pra correr morcego, jararaca, corais, jiboias, caninanas, etc.
Aqui há um ninho de muriçocas que a Malu pega no ar com a língua e detona com lábia. No bananal descobriu-se colônias de ofídicos belíssimos, coloridos, fingidos, louquinhos pra dar o bote. Principalmente as jararacas, as corais, as urutus cruzeiro, cruzado, real, do-lar. As jararacas são agressivas, mas as corais não. Para as últimas, não há soro específico aqui no Brasil, só importado. - Aqui na Barra de Sambaqui talvez dê tempo de subir o morro quando picado por uma coral, rezando o Creio em Deus Padre já de cabeça pra baixo e no topo entrar na igreja, se estiver aberta, às direita para velório, moço!...pro mode qui tem qui dá cabo delas. – fala o caseiro meio capataz, de olhar sombrio. 
No começo, quando vim morar aqui, o caseiro as pegava vivas pela cabeça para mostrar sua destreza, coragem, pleitear aumento de salário sem greve e sem botá no pau da CLT. A dona Rosinha benzedeira ficava encantada. – Mata e coloca num vridu com arco pra infeitá a parteleira dos livru, ispantá as visita marfazeja, tirá mar oiado, miór é botá a bicha viva no vridu dentro do arco, sorta o veneno e se arguém fô murdido é só toma um trago i reza. - Eu me arrepio, solto risinhos nervosos e me lembro do Mário de Andrade em “Namoros com a medicina”, meu livro atual de cabeceira. Então liberei o caseiro Prazeres para a próxima vez realizar a façanha, assim colocaria mais uma notinha no livro do Mário, de extrema importância. O Prazeres matou a cobra com tristeza, saiu cabisbaixo, acabrunhado pela inflação, sonhando com o aumento antes do oficial. Mas reagiu. Deu uma “vortinha” e apareceu com um colosso de corar, a meter inveja o nosso presidente eleito que na época era só candidato o FHC. Se ao invés de Lula tivesse que competir com aquela cobra, estaria frito e canonizado como Tancredo. – Num assunta muito dona, a bicha ta assanhada e também pica cá cola num si pode abusá, u vrido ta pronto? E o arco? - Graças a Deus o álcool ainda não estava racionado nem com metanol. Fui correndo buscar o material toda orgulhosa, recordando-me das minhas primeiras aulas de ciências. Larguei o vidro aberto em cima da mesa e fui pegar o álcool embaixo da pia. Quando levantei o corpo e olhei pra mesa, o Prazeres já tinha colocado a bicha dentro do vidro aberto. A cobra se revirou, botou a cabeça de fora e logo um pedaço do corpo. Eu disparei com artrose e tudo, teria ganho o Aquiles de Souza aqui da ilha que tem um quadro de medalhas por corrida de fundo, segundo o próprio porque o nariz chegava primeiro. Na corrida eu saí com o arco na mão e sem nenhuma flecha, infelizmente. Olhei pra trás para situar a competidora. O Prazeres rindo me perseguia com a cobra pelo pescoço. Entrei na Derça, a festeira do vale, que carrega a pombinha do espírito santo, vende peixe, marisco, ostra...uma figura tão rica que merece um capítulo à parte. Como aqui no vale não tem pronto-socorro nem pronto-bombeiro e muito menos pronta-polícia, ah, e nem pára-raio, todos são prontos à dona Derça com cobrinha no nome, como diz ter aprendido pra votá no Collo, por respeito à divina pomba colorida do espírito santo, a Derça é a mais pronta, a sirene do alarme. O marido e os filhos pescadores e pinguços lularam, mas não urraram com a derrota, aceitaram pacificamente e entraram na festa da Derça que soltou foguete, distribuiu tudo que vende de graça com materiar duado pelo diretóro du partido du moçu. O alarme da Derça é infalível. Ressuscita até o senhor morto, dispensando a Verônica com o seu canto, puxa coro, coral, novena, terno de reis. Chama os filhu i as vaca nu campu; já sofreu um derrame. É outra que manca, mas não se entrega. Sobre o derrame da Derça, eu escrevi uma crônica que eu não sei se é de rir as pedras ou fazer chorar todos os reis. A Derça me empolga, deixa Iemanjá no chinelo, é natureza pura e ecológica, toda verde e amarela. Vai me dar muito trabalho no próximo capítulo, porque é deveras complexa. Imaginem que se dá ao luxo de usar o microfone dasigreja (que ela arranjou com uns policos) e agradece mocionada o ajutóro prá saí asigreja. A miss universo se esconde perto da Derça no discurso de agradecimento.
No dia em que eu fui fazer o cateterismo (muito na moda), sofri um incêndio em casa, ela arrombou a porta e deu cabo do fogo com sua trupe. A fumaça chegou no morro, então os bombeiros resolveram dar um passeio no Vale da Boa Sorte com viatura e repórter. Naturalmente, tudo já estava apagado, mas o fogo da Derça deu entrevista e saiu nos jorná, pena que foi di costa, disaforo. Como não sabia de nada disse que a dona da casa tinha deixado o feijão ligado e fora comprar arroz e já pediu pros policos um postu de saúde pracudi o povo e um oreião pro morro do Vale da Boa Sorte. O fogo foi na sala devido a uma ponta de cigarro do Prazeres que meio piro pirado pôs fogo, mas saiu nos jorná na cozinha mesmo. E a alegria da Derça mostrando o cachorro dela nos jorná (o Bidu que se vira no lixo e só come espinha de peixe e é gordo como um porco por milagre do Senhor dus Passo!). Por falar em porco, a Derça cria um pela corda como cabra, o porco da Derça só come mato, é vegetariano, naturalista, ecológico do PV e está gordo como uma anta e condenado pra próxima festa da Aleluia, pro leilão. Quem ganha geralmente é a Derça mesma, o vigário ou o xerife, um tal de Mazinho, traficante considerado home de respeito, carrega o andor e angaria dinheiro nas porta, já foi preso por causa do baseado, mas foi logo sorto. 
Mas pegando o fio da meada, paramos quando eu corri na frente e o Prazeres com a bicha atrás pelo pescoço e eu entrando na Derça, o quebra-galho- quebranto, e zipela, doença mardita do mar. Então, afobada, fui falando na cobra com cara de espuma de Omo dupla ação ou Minerva Três ou ainda o jaleco de médico estudante. A Derça alarmou a cuminidade em busca de socorro e merda seca de jumento, jegue ou genti mesmo pra botá na dentada e rasgavam o lençol pra fazer uma amarração. Já sem sarvação, mas a Derça não se entrega, muié de fé, falavam os vizinhos. Um outro no meio conselhava: - Mió chamá o vigáro Onofre, rezá o terço e incomendá a arma. Uma voz forte gritou seguida de um coro fraco: - Já morreu? – o pessoar invadiro o rancho. Outra voz: - Chama o Tonico, o único motorista de táxi que mora no Vale e tá sempre torrado, mas serve pra essas horas. Enquanto isso, o Prazeres explicava o causo, mas ninguém assuntava, desejava convencer que a vítima não tinha sido picada, tudo em vão. Procuravam a ferida e já me tiravam a roupa empurrando-me pro quarto do casar. – tudo aqui é muié, não precisa tê vregonha, não, dona Marilu, é pra sarvá sua vida. Mas o que me sarvo foi o seu Orlando marido da Derça, home carmu, pacato, muito farso, mas respeitado. – Vamô pará com essa gritaria, se a muié fosse murdida já tinha morrido. Seu Orlando tinha dado ouvidos ao causo do Prazeres então todos seguiram em procissão rumo a minha casa, eu vinha quase carregada como santa, agarrada ainda à garrafa de arco já da véia. – Milagre Milagre do espírito santo, gritavam todos. Merece nuvena. Aí o Prazeres foi o herói do circo, num silêncio de morte caprichou no ritual. Seu Orlando pegou do álcool e empurrou a cobra pra dentro do vidro com a cabeça pra baixo e foi despejando rápido com a tampa na outra mão. Hermeticamente fechada e afogada, a bicha começou a soltar um líquido verde escuro. – Levantem o vidro! Levaram para rua. A dona Derça pediu pra segurar e de mascote liderava a procissão pra mostrar de casa em casa o remédio da serpente do paraíso agora beatificada e santificada no Vale da Boa Sorte. 
Eu finalmente sozinha fui em busca do meu Co-Renitec, remédio que tomo após o infarto silencioso de 1º de maio de 1988, com Sustrate e Mixitil, o primeiro para pressão alta que sempre sobe mais quando se vai comprar o remédio, na época custava 300 cruzeiros a caixa, o segundo contra arritmia e o terceiro contra vaso entupido pra dilatar tudo. Quando me dirigia para o quarto, o Prazeres bateu na janela pra ajustar o salário, concordei prontamente pro mês próximo, mas ele queria um dinheirinho vivo porque era sábado: - Paper não aceitava, num dava pra trocá no Vale da Boa Sorte. Levantei-me cambaleando, dei-lhe meus últimos 100 paus vivos e sem pau nenhum pras emergências e mais viva do que morta ou do que nunca, fui dormir sozinha. Como valorizei a vida e a solidão para pensar. Rezei e tentei ir dormir. Que vontade de escrever, de rir, de chorar, de abraçar todo mundo, gritar no vácuo, louvar a natureza. Eu me lembrava dos meus sonhos com cobras e da interpretação enigmática de dogmas do baralho cigano e do pecado originalíssimo. Por pouco não tomei chá de bosta. Fiz uma promessa: vou fazer apologia da merda. Bateram na janela para me devolver a coral. Tive que fazer um discurso de polico, me rebolando na diplomacia pra dar de presente a cobra pra dona Derça. – A cobra é sua. – Não, é da senhora. Mas é remédo e o ninhu é aqui. – Aonde? – Num sassuste, é lá no morro, tá longe mas ninguém dá cabo delas. – Mas a senhora leva, que anda mais descalça no campo pra pegar as vacas. – Nu campu num tem cobra, é nu morru e nu corgo e no meio das pedras. – Mas a senhora tem filho, neto. Dona Derça, eu não quero mais cobra dentro de casa. – Tá morta, muié, não faz mar a ninguém, inté é remédo. – Dona Derça, então a senhora joga bem longe no mato. – Não, dá azá, vira sombração. – Então a senhora queima. – Dá cobreo si arguém pisa na cinza. – Está bem, Dona Derça, então me dá a cobra que vou guardar pra remédio. Tremendo peguei o vidro, fiz um buraco e enterrei. Desta vez mais morta do que viva, resolvi tomar um banho e me atirar na cama. Muito pernilongo, barulho de sapo, mugido de gado, zunido de carocha. Acordei com o barulho dos quero-queros, tico-ticos e outros lindos de rabo comprido, gralhas azuis, quase todos nos pés de angazeiros e de jabuticabas. Valia a pena o Vale da Boa Sorte porque não há tempo pra depressão e quando o nosso canto é invadido entra-se no coro da procissão. Que tendência maravilhosa, humana e instintiva tem este povo de se unir em tribo, em passeata para resolver seus problemas sem greve, na base do elo, da corrente, formando sociedade e se civilizando com tanta fé e esperança, se divertindo com o menor acontecimento. Brigando e fazendo as pazes de imediato, sorrindo por coisas tão pequenas. Será que são felizes? Apenas vivem.
Fpolis/novembro/94 - Marlene Vieira Perez - MPerez

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

CONFLITO



CONFLITO


uma emoção absurda me atormenta
a noite se abre e se fecha
como bandeira de guerra
a insônia na minha caserna
em posição de sentido
não me dá tregua
a saudade se queima
se trai na essência
escancara as janelas
mas está presa e pesa
na aragem morna
uma idéia fixa
para o mal me atiça
na esquina da rua sem saída
abandono a luta a concha
e me machuco na ponta da lança
em sangue esmurro o vidro
como inimigo em silêncio
berro todos os medos
ao túmulo vou descendo
em segredo cavo trincheiras
desfilo nos escombros
me devasso
assombro os mutilados
desmonto caveiras e armo:
de surpresa um defunto
uma sombra num abraço
me sorri ironicamente
com várias caras e bocas fechadas
de corpo e alma entrego as armas
sob ameaça e defesa
de mim mesma
nas cinzas remexo
e não encontro mais nada
brasas frias fumegam
o vento sul distante e alérgico
sibila como tísico
e está morrendo comigo...


Marlene Vieira Perez - MPerez - Fpolis, 26/06/2011
Designer DougB

SONHO OU PESADELO?
(CRÔNICA INTIMISTA)


Era 75 e eu batia numa porta errada. Por encanto ela se abriu. Fechou-se rapidamente num abraço como garras de polvo. No recinto havia muitas portas. Um labirinto. Entregaram-me um chaveiro de ouro ou de prata. Não me lembro. Parecia uma medalha. Descobri uma chave brilhante. Um pingente assim como um brinco de diamante legítimo, raro, geometricamente fascinante. Faiscava em todos os ângulos. Senti-me uma rainha, mas estava presa. Entrei em pânico. Precisava fugir. Armei um plano. Usar a chave. Ouvi muitos cânticos, muitos anjos. Não gostei do céu, era escuro, artificial. Um planetário sufocante. Algumas estrelas piscavam-me divertidas, hilariantes. A lua minguante. Não havia tempo, nem sol nem dia, só noite. Tudo sufocante como esta rima. Davam-me pílulas que diziam ser vitaminas. Eu dormia com ânsias. Acordava com náuseas. Não me lembro também o que fazia nos intervalos. Acho que escrevia bobagens obscuras, trêmulas, carregadas de fumaça, nevoeiro. Estaria num barco? Numa barca do dilúvio? Seria o fim do mundo? Reagi e, tateando, experimentei a arma disponível. Não era proibido. E comecei a via crucis ou sacra de porta em porta. A chave não entrava. Seria falsa? Após anos de luta infrutífera, resolvi bater desesperadamente numa das portas. Alguém balbuciou alguma coisa do outro lado, deu-me esperanças de saída, não de fuga. Tinha que cumprir a pena. Usar a cabeça sem fantasias. Só assim aquela chave me levaria à liberdade para o sol. Eu clamava justiça, falava muito, me defendia, brigava. Que crime tinha cometido afinal? A voz não sabia, insinuava alguns índices, poucos fatos. Muito mistério. Eu deveria saber dos meus pecados e me penitenciar, me retratar, me confessar?! Fiz um retrospecto. Tinha sido condenada com uma severidade radical e sumária. Um não irreversível. Havia entrevistas em rituais. Os jurados eram imparciais, mas respeitavam a individualidade. Sem códigos gravados na testa, na cabeça. Para remover o estigma, só a guilhotina, como um câncer de língua em estado grave. Sem máximas do tipo: assuma o seu não, caso contrário perderá a cabeça. Um sim falso como um não vestido de sim sem carnaval. Comecei a tentar, a confiar. Aquela voz era calma, cativante, sábia. De repente uma fenda, um espelho bem no meio da porta, espesso. Dois olhos inquisidores e protegidos já por um vidro diamante, à prova de gritos, lágrimas, balas (era um ser humano?!!) apareceram. Diamante? A chave, a chave combina. Tentei desesperadamente uma esperança de abertura. Ajude-me, eu preciso de um sim indeciso, tímido, de um sim intermediário para negociar com o não terrível. Prometo depois enfrentar os jurados, reivindicá-lo sozinha. Já me sinto viva. Os olhos se fecharam, nem me deixaram usar a chave. Passei a mão na superfície do espelho, da claraboia, estava fria, glacial. A porta era de mármore. Não vi mais nada. Bati novamente. Só me restava aquela porta. Estaria cega? Clamei pela voz. – Um atestado? Um salvo-conduto? Um habeas corpus? Liberdade condicional? Um passaporte? Boas referências? Absolvição?
- Não, não, eu pensei...depois desta pena ganhar créditos para um parecer favorável junto àqueles jurados, quem sabe... – Bateu em porta errada, a senhora está louca!? Sou apenas um mago e como mago não posso lhe absolver de nada. Prefiro o silêncio aberto a recriações infinitas... só assim chego perto.
Eu parecia agora compreender. Mago é aquele que faz previsões, mas não interfere nas reações humanas, não se arrisca a diagnósticos. Deve ser o único profissional fiel à ética da classe sem sacrifício, sem debate de consciência, mas a empresa não deve ser fácil. Magia é a especialidade da alma, sobrevive de mistérios.
O dia em que a magia cultivar certezas estará falida. Não possui respostas absolutas nem de sim nem de não, sobrevive eternamente de buscas incansáveis e sofridas. Está sempre na fase dos experimentos, o que exige cobaias sobrenaturais. Um mago não vive de conceitos baseados em referências. Seus súditos são artistas que ampliam a mente em várias dimensões e atingem todas as galáxias. Chegará o dia em que a magia e todos os seus paramentos se defrontarão com a ciência e dela farão parte numa assimilação interativa e mágica, porém válida. Não haverá dicotomias entre magia e ciência e, sim, mais uma luz nas trevas do insondável para o mesmo fim.
Talvez tudo isso seja apenas uma das minhas utopias em fase de crise, efeito do pesadelo ou sonho, mas no momento é minha verdade. O slogan de quem faz por a gente é a gente mesma foi na verdade o que sempre ouvi neste mundo desde que nasci. Para este conselho não se precisa de mago quando se trata apenas de sobrevivência material. Entender o que nos escapa à compreensão objetiva dos fatos sociais e rotineiros é o grande desafio do ser humano, porque este é dotado não só de inteligência racional, mas de magia criativa, muito mais emocional. Com a ganância e a solidão, a dependência ligada aos bens materiais, torna-se o valor principal da vida e cega, abafa o que há de mais rico e livre: caminho aberto para a depressão. Logo, a proposta de valorizar o que temos de mais sutil e íntimo, buscando-lhe um conceito centrado na compreensão das almas será mais válida, já que até agora o mundo material com suas riquezas, seus poderes, seus valores, despreza o afetivo. Resolve ou pode continuar a resolver a sobrevivência física, mas não o relacionamento do conviver e o extermínio relativo do mal. Cabeça e mãos parecidas, pernas para caminhada, vozes para o diálogo, palavras na prática, na ação e até no silêncio compartilhado deveriam ser o lema com profundidade mística entre as gerações. Para atingir este grau de desprendimento e abstracionismo é necessário valorizar o invisível, não só na ciência explícita que às vezes o torna ingenuamente concreto e só visto a olhos nus, mas também na busca de explicações do que realmente é abstrato que abrange os sentimentos e as dores. O sentir tão esquecido deve mais do que nunca vir à tona. A cura, por exemplo, relativa à tristeza, ao sofrimento, às drogas, à solidão compartilhada que derrubam famílias, atingem as sociedades, as nações, está muito mais ligada ao afeto. O mundo da saúde com todos os seus recursos, seria mais eficaz se tentasse curar compreendendo e sentindo. A espécie humana se fortaleceria encorajando-se a sobreviver, a progredir e a ser feliz apesar da morte. É necessário usufruir melhor o período de sobrevivência aqui no planeta não só na supervalorização da saúde física, mas também no cultivo da espiritualidade com todos os seus meandros místicos e fugidios. Não há necessidade de uma máxima comprovada para aceitar como verdadeira a espiritualidade. Não precisamos de verdades imutáveis e sim de consenso no que se refere ao alívio das dores ligadas às emoções e por que não à alma e ou ao espírito?
O caminho parece-me ser o equilíbrio relativo com a fuga aos extremos. Devemos evitar absolutismos fanáticos de qualquer natureza, sejam no âmbito da teologia, da ciência ou no campo de ideologias em constantes antagonismos dialéticos. O sim significa junto com o não a vida em equilíbrio, me parece que um, não deva ultrapassar em muito o outro. A equidade, é claro, não podemos nunca esquecer de respeitar. A personalidade de cada homem deve ser usada para as trocas de enriquecimento numa interação harmoniosa e nunca ignorada por interesses corporativistas. As grandes descobertas partem do individual no que o homem tem de mais sensível e intuitivo. Terá papel preponderante na realização deste idealismo, a justiça social. Creio que consegui sair do pesadelo e entrar no sonho pela teoria do senso comum. Com isto ainda estamos muito longe da prática, mas temos que continuar na missão difícil de partir do pesadelo, atingir o sonho e chegar com mais consciência e facilidade à prática de uma realidade espiritual dentro da nossa rotina diária em sociedade. Deve-se entender o espiritual como um coletivo que contém em si as emoções afetivas, acompanhando de perto a prática de todas as nossas ações objetivas. Perceberam como consegui entrar com sugestões poéticas confusas, desordenadas através dos meus estilemas musicais e vencer a entropia para chegar ao poema da razão? Comecei este texto sem intenção objetiva de querer nada e sim criar alguma coisa, desabafar sem receitas através das emoções. Aos poucos o espírito foi se disciplinando para descobrir algo do caos por mais simples, opaco e comum que fosse. Não achei um diamante, a cura da aids ou do câncer: uma simples pedrinha brasileira brilha no planeta.

Marlene Vieira Perez - MPerez - Em SP, 23/06/82.
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terça-feira, 19 de novembro de 2013

BALANÇO DE FIM DE ANO



Balanço de Fim de Ano
São Paulo, 17/12/98

Nesta época festiva venho fazer o fechamento de um ciclo na grande família. Como diz meu filho poeta, o mais moço: jogar os laços de sangue pela janela da sociedade filhantrópica. Conferir o saldo, a receita e a despesa, o superávit do investimento para mudar a estratégia, a tática de guerra, sair do ramo e investir na própria vida já em fase de os últimos suspiros. As máscaras ao canto, em farrapos, clamam recesso de fim-de-ato. Todos agora são cobras, trocam de pano, de couro e ganham máscara nova com óculos à fantasia. Todos com mais de 30 anos são lachesis no dizer do homeopata quando principiante. Sob o fundo musical da Ave-Maria de Schubert, ouço meu mestre interior: ou me resguardo ou me exponho e será que me salvo? Você decide, anuncia a minha tevezinha arbitrária de antena interna, com transparência divina, florindo como poesia em dia de chuva, de cara molhada, como guarda em vigília: o espectro da insônia perpétua, jogado na rua que tolera, tolera e de repente multa. Era a língua do artista louco, do cientista, do sambista de morro em qualquer registro, até do bobo da corte e o balanço continua. Ouço a voz do poeta clamando justiça nas favelas e nos cortiços e a luz do operário, no comércio.  Enfim a luz, o talento e o brilho num cenário de manjedoura e a bandeira do injustiçado encantam, atraem e espantam mariposas e vampiros para salvar o recém-nascido. É a defesa do injustiçado! É a bíblia da consciência do pensamento. É a arte da mãe que se despede atrás de rima, sem piano nem flauta. São os extremos que sobem ao céu ou descem aos infernos e apelam. É o ritmo, o embalo dos escravos! O lamento dos condenados! A tristeza da festa aflora o poeta que sai do foco e onisciente prossegue famoso e enigmático, de coração aberto. Desarmado finalmente, agradece à família tudo o que lhe fizeram... e como a época é de promessa e reza, de juras e renúncia, discurso de formatura, indulto, jejum e retiro, caixinha de correio, mensagem, mesa de inocente, visita a asilo e missa do galo, se encoraja e pede a palavra de pé mesmo, de vela apagada sem altar nem nada devido à dupla osteoartrose e à estenose da aorta ilíaca que comprime o ciático, tudo aliado aos bicos-de-papagaio e à pressão alta, promete que nunca mais vai incomodar e agradece todos os favores, presentes e empréstimos com muito empenho e louvores. E já toda raiz torta bem encolhida, de eterna cabeça-baixa, se afasta pra sempre daquele meio. Afinal não tinha berço, filha de operário, honesto é verdade; trabalhador de sol a sol é verdade; sem vícios também é verdade; dedicado à família ninguém pode negar; mas tosco, rude, semi-analfabeto, um bicho do mato, um Cristo, também são verdades. Não tinha histórico de madame burguesa, nem ranço de provinciana metida à besta. E já pronta pra missa do galo, toda caipira de vestido estampado, entra de leve na igreja cheia e com linguagem de rainha a justificar o enigma, roda a baiana em silêncio, levanta a cabeça, encara as imagens imóveis de mármore, meio juízes implacáveis e desamparados, mártires pedindo clemência para serem salvos com um sopro. E o milagre do Natal acontece? Haverá sempre um próximo na esperança que não morre.

Marlene Vieira Perez - MPerez
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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

MÚSICA GOSPEL


Meu comentário sobre a interpretação do solo de piano PRESENÇA REAL & SONDA ME SENHOR/ padre zeca e marcelo/ musica catolica cristã gospel piano solo:
Interpretação magnífica, arrepia, dramática e chocante com lirismo melódico insinuando-se nos mínimos intervalos...principalmente na segunda parte... MPerez

Resposta do exímio pianista brasileiro ALOYSIO RACHID:

Olá querida amiga Marlene Perez............
Minha querida charmosa nova amiga Marlene Vieira Perez, que delícia de comentário tão gentil, agradável e marcante. Muito obrigado de coração!! Bem vinda a bordo de nossa singela estação musical. Estamos inscritos em seu belo canal também. Com todo o carinho do seu pianista. Aloysio :) Vídeo "Presença Real e Sonda-me Senhor"

AS MÁSCARAS (TEXTO PARA TEATRO - I)








São Paulo, 7/7/79




As máscaras




Queridos leitores, aproveitem as férias, limpem bem as máscaras, lubrifiquem e guardem na mala. As minhas, neste momento, estão aqui empilhadas, cheias de mofo. Puxa vida, meus amigos, em três dias de folga já estão em estado lamentável. Desprezadas, ficam rebeldes. Não gostam de férias as danadas, artistas biônicas. Estão morrendo de medo de serem abandonadas em algum asilo de circo, em prol da campanha do agasalho. Afinal, terceira idade principalmente gosta de esconder a cara enrugada pelo tempo e maus tratos da vida. Será que planejam levá-las para o asilo do magistério? Será que existe aqui em São Paulo? Bem, deve ser lá pelo Juquiri. Professor aposentado precisa sorrir e nesta altura da “nossa futura idade” (chegamos lá, não se iludam), o desgraçado desdentado vai cometer gafe, fazer careta para as visitas e ser mal-interpretado e cuspir recalques. Cuidado: fiz uma experiência e não deu certo. Pensando em fazer caridade, participei às minhas máscaras. Doutrinei. Sermão à La Samaritana para comovê-las, motivá-las para o Bem. Muito Bem. Pelo menos uma vez na vida, continuariam na ativa, etc e tal, pata-ti-pata-tá, naquele blá-blá-blá enrolado e altruístico que a gente aplica “na nossa idade” para matar aula sem remorsos, com a máscara dos Aparatos paramentada na bel-a-pelação. É, gente, sou esperta. Durante a catequese, eu estava mascarada para convencer as minhas alunas. Não sei se perceberam, a máscara do conselho-familiar é permanente e psicológica, já grudou na cara. Faço a higiene com sabão de coco mergulhando a cabeça na pia. Como sabem, conforme a família, só dá homem, ou mulher, tem-se que neutralizar a atmosfera da ambiência; se dizem imunizados, os maiorais donos do saco ou da sacola, é claro, envolvidos em plástico anti-germes, antiaids. Onde é que eu estava? Atualmente a memória é um fracasso. Mas vou puxar a linha emaranhada da terapia-crochê ou da pipa. Já sei. Eu estava aconselhando as minhas máscaras a se doarem. Ah! leitores, elas se doeram, sentiram dor de corno e choraram. Jogaram (se) na minha cara e falaram, criaturas de Deus! Sufocaram-me. Eu tremi, é agora. Parecia a superbronca: Onde estou? Quem sou eu? Que planeta é esse? Todas ao mesmo tempo me anularam, bronquearam a valer. Sabem o que disseram? – Eu, eu, eu, tu não és nada sem nós, e ao invés de nos mandar embora sem piedade, sem aviso prévio, fundo de garantia (Cara velha estranha não garante poupança – este era o estribilho), nos coloca, sua idiota, no museu do teu baú, para não precisares mais tarde de esmola, muito na moda filantrópica das madames. Vais ver o vexame. Vão te jogar as máscaras delas, te borrarem a cara velha, enrugada. São meias de seda, todas largas, furadas, te cairão aos pés e, se usares, todos fugirão do chulé. Puxa leitores, fiquei envergonhada. Como são inteligentes as minhas máscaras! Fui ingrata. Eu as tinha confundido com os nossos alunos, os seriais. Reagiram. Muito Bem. Não foram na conversa fiada. Sábias! São mais vivas que os meus filhos? Será? Será que viram a máscara gomarábica, refinada, do conselho de classe que funciona no espaço da escola, da família, das rodinhas da Igreja? Será que cometi uma blasfêmia? Por isso, resolvi não fazer planejamentos caritativos nas férias, envolvendo as minhas pobres máscaras, me desfazendo. É chantagem da grossa. Afinal não são minhas vassalas. Filhas sim da minha alma, com chavão e tudo. Verdadeiras! Eu as criei depois que nasceram milagrosamente para brilhar em vários palcos. Não são adotivas. Todas minhas! Eu inteira! Vocês não acham este achado uma glória? Pois é. Mas não pensem que a coisa terminou aí. Peguei a vara, coloquei-as de castigo e de cara lavada, desta vez com detergente, expulsei até a aderente. Encantaram-se na parede, também precisavam respeitar a mãe, que sofreu as dores do parto, mutilou sua personalidade, para que fossem gente decente, vivas, educadas, sociais e até falassem em vários níveis e registros sempre como boas artistas que se prezam, versáteis, poéticas, jurídicas, até médicas. Acusei-as de traição. Enfiei o fardão e a beca e fui juiz. A justiça em pessoa, equilibrada como uma boa balança, de horóscopo e tudo que não falha – Vocês são perfeitas, minhas caras fantasias desbotadas!? Muitas vezes, me falharam na hora h do atraso com mentiras esfarrapadas ou verdades, segredos de estado do meu “eu” que não podiam ser revelados. Abandonaram-me em alguns momentos difíceis, complicados, que fingir era o diabo. Elas tremeram, gaguejaram, mas no fim, ainda venceram. Impressionante! Defenderam-se, leitores! Saíram pelos cantos da parede, em fila, calmas e confessaram com argumentos irrefutáveis. Unidas! Não furaram a greve. Foram unânimes. Uma só falou, a líder. E sabem da maior? Veio mascarada. E eu, não reclamei. Era a aluna superdotada, excepcional, da minha escola. Aprendeu. Escolada! Não confiou nem em mim, ficou com Medo do S.N.I., DOPS ou que eu a entregasse para o Maluf ou Bin Laden. Sadan já tinha levado a breca. Mistificada, não pude identificar, por isso não posso dizer o nome, mas vou tentar reproduzir o discurso: - É verdade, falhamos algumas vezes e por tua culpa ainda não somos perfeitas, fato que, aliás, achamos justo. Se fôssemos, te perderíamos e não somos nada sozinhas. Tu precisas respirar. Olha para nós. Em realidade, por mais que tu te esforces ou tivesses usado a cuca no moldes, nos alinhavos, nas costuras e nas cores, não podes te anular. Olha, olha os buracos responsáveis, são as próprias falhas. És nossa MÃE TODA PODEROSA, dona da cabeça, dos olhos, da boca. A gente faz o que pode. Somos cegas, mas exploramos a tua visão; somos ocas, mas usamos quando dá o teu miolo; somos mudas, mas improvisamos a mímica sonora da tua língua. Participamos da tua poesia (aliás, faça-se justiça, é quando ajudamos mais, entras em transe, nos liberas, te damos o ritmo, a descoberta da obra, sem censura, a fantasia é pura. Neste momento somos verdades fantásticas). Leitores, este parêntese foi grande porque intercalados por derrame de lágrimas autênticas da minha Grande Máscara. Também chorei desprotegida, elas venciam. E, como estou de presente, choro de joelhos e sentada agradeço. Sem promoção. Sem falsa modéstia. Vocês não são meus empresários nem editoras, apenas amigas queridas que me entendem e me valorizam. Nós nos penetramos espontaneamente, nos revelamos por detrás de todas as outras máscaras falsas, reconhecemos ao longe no primeiro deslize. Creiam, somos velhos conhecidos desta e de outras passagens. Perdoem a emoção, tá? 




Eu me recompus, enxuguei os olhos com o avental que já estava no chão. Elas fizeram um ponto em reticência, não sei de que jeito. Respeitavam o meu sentimento, esperavam quase humanas e sublimes. Eu dei uma colher de chá, mantive a linha: - Vocês – usava o plural em respeito a todas – pararam em poesia, e daí? E o resto? Ela me olhou corajosa, de olhar vazado ainda úmido, brilhante e arriscou: - O resto pertence ao teu espírito indisciplinado. Ele move os cordéis, caímos por terra, obedecemos e só tu vences, somos os bonecos e tu o grande ventríloquo. Não seguramos a tua língua ferina, somos fulminadas pelo teu olhar. Impotentes na platéia, tu no comando do espetáculo. Admiramos a mãe soberana. Aplaudimos delirantes quando acertas. Se erras, não vaiamos, nós te amamos. Torcemos pelo sucesso. Quando fracassas, devias prestar mais atenção nas palmas da abertura, fracas na multidão da turba, mas são das tuas macacas solidárias na desgraça. Fomos e somos sempre leais, verdadeiras amigas. E um segredo: existem outras que silenciam às vezes, por medo das contingências, mas estão na tua, são raras, mas válidas. Eu desta vez a repreendi pela gíria e perguntei os nomes, ela se admirou e respondeu: - De algumas, tu já sabes, não te faças de boba e pediu desculpas. Há outras anônimas, não sejas apressada, elas vão se identificando pela tua vida, pelos teus caminhos, são máscaras vivas, artistas afinadas contigo... Nós até ficamos com medo de que o número aumente e tu não precises mais da gente. É, temos ciúme, mas construtivo, tememos por ti. E agora vai em férias, nós seguiremos invisíveis na tua sombra, se precisares, num passe de mágica, pularemos para tua cara, inconscientemente. 


Se ficares só com elas, por mais sinceras que sejam, são engajadas também na tua sociedade, presas pela sobrevivência. Vais precisar sempre de nós enquanto viveres. Te damos pouca despesa, não comemos, não vestimos; pelo contrário, te revestimos. Não possuímos fisiologia nem muito raciocínio. Submissas e emotivas, ligadas ao teu coração, a tua alma, ao teu mistério. Não confundas. Em realidade somos unas. Creio que está aí o segredo dos fracassos involuntários – Gaguejava, quase se revelando, eu aproveitei e entrei de sola – Já sei quem és – tive vontade de dizer um palavrão, mas moderei a língua, para dar exemplo e mostrar também que dominava o espírito – és a máscara da Arte e ainda por cima incógnita colombina, né?! - Puxa, aqui cabia, “sua idiota”, mas não saiu em tempo hábil – Entendi. Quando preciso das outras, fogem como se estivessem mortas. Vou viver de poesia como professorinha? Vou? Vão me encher a barriga? Pagar as minhas dívidas? Escrever quimeras, gastar tinta, papel, quando devia investir na poupança!? Descoberta! Quando preciso corrigir provas, fazer média, almoço, feira, faxina, lavar louça, roupa, estudar para os benditos trabalhos do meu complemento pedagógico, visando à evolução do Muito Bem para me promover, carregar a sacola da diretora, ajudar no horário, na disciplina, fazer gráficos impecáveis em letra de Forma para “Reposição informativa do horário virtual dos sábados, vocês me falham, dão a chance para... – Chiii! Bico calado!.. Para Nicolas – rima melhor com sacola. Continua se intrometendo e atrevida com gíria torpe e tudo, pornográfica!


- Caí em mim – Gíria? Falei gíria primeiro? Será? E ainda suja? Devia ter proibido desde o início do papo. Eu conjeturava em silêncio. Ela aproveitou e saiu dos murmúrios e desconfiada, entrou direta: - Não podes me censurar, olha a abertura. – Não entendi bem a referência. Ao buraco da boca de língua solta? À abertura da Arte ou À do Figueiredo, com anistia? Na dúvida, deixei passar, dei uma de migué e fui em frente: - Censura né Dona Arte? Pensas que podes dizer tudo e me comprometer? Pois é, como estava dizendo, vocês me abandonaram nos meus interesses de 1ª e me deixaram fora da jogada, impedindo-me de escrever ensaios filosóficos, cheios de versos, ecos, cartas poéticas, crônicas, a contar tudo no canto do embalo, que não me rende um centavo. E agora até teatro, como hoje, que devia ser prática, usar a máscara Objetiva e redigir um artigo de jornal. Ouviram? Vocês entendem disso? Não é a toa que passei aquele drama na prova de Estatística, tive que colar, uma vergonha! E agora me deram a chave do passado! É sim senhoras! Lembram-se daquele vexame na prova de desenho geométrico, com régua e compasso? Tive que trocar de prova, com um colega cabra macho, caritativo. Lembram-se minhas adoráveis amnésias? O professor descobriu e foi aquele escândalo. A máscara Exata por onde andava? E aquela 2ª época em Física? O Nilson Paula aprovou-me por piedade. Fiquei humilhada. E só tirava 50 em matemática, passava raspando, o professor era uma fera, o Dammiani. Lembram-se? Pois é, não dava de colar, quando ele me mandava ao quadro até mijava. E por onde andava a Máscara privada? Científica? – Científica? Nisso até que tu te viras? – Não resmunga, e a Máscara das Ciências Exatas, a Cartesiana? Onde? Onde? – Ela não se agüentou: Devia, andar aonde a onda anda, ou no caminho por onde a pedra rola, sei lá, na onda do Drummond e Cias. – Muito bem, então confessa quem és? Quem são todas? A loucura, não é?! A esquizofrenia? E que não há razão para uma professora que se preza, ser poeta a toda hora, tá fora! Um fora mesmo! Isso que vocês me deram. Confessa, confessa logo, esta estória já está histórica, é madrugada e eu preciso dormir. Tu não dormes, né idiota, musa-coruja e eu ainda nem comi. Regime forçado. – Idiota? Mas não queres andar na linha? É verdade, mas não vou dar uma de mariposa, de motuca ou Juca, né?! Vocês querem me matar?! Quem vai pagar o enterro? O dinheiro? – Darei um jeito, quando chegar o momento, serás levada em coro num belo cortejo de máscaras. Será a tua Apoteose, a mais bela Alegoria, a tua Alegria. Só depois de morta, verás a tua glória póstuma, nós te publicaremos e provaremos o teu equilíbrio artístico, dançaremos o teu ritmo – Quero agora, agora! – Não precisarás mais trabalhar, só poetar. Estarás livre e nós, mais subordinadas do que nunca à prisão da liberdade. Serás múltipla com uma só figura. Unidas subiremos contigo – Subirão? E quem vai me consagrar? Quem vai ficar? Tu máscar-AR-te? Confessa, senão te desmascaro e te mando para o hospício eterno do magistério.




- Não posso, mentiria. Há uma entropia – Empatia? – Também, mas há a Arte da Arte ligada à Vida, que nos deriva em energia. A base de tudo, o eterno. Dorme, descansa em PAZ, na infinitude intermitente do vai e volta. É tarde agora, atravessa a noite e espera o fim da madrugada e te despede dos teus amigos leitores e colegas. Já estás cansada, com frio, virada do avesso, nua em tua plenitude.




Leitores, eu levantei o fardão, a beca e enfiei na grande máscara. – Pronto, és a justiça, a justa, a Polícia, a Vitoriosa. Amanhã vou limpar vocês todas com Pinho-Sol, perfumar com lógica viril do English Lavand Akinson, reciclar, para usá-las em agosto ou final de julho – A coisa agora apurou, é mais cedo. - É, pode falar alto, não é segredo. Vão ser promovidas. 

- Mudar de grau? – Quem sabe, se me ajudarem e, com abono incorporado, os 24% sem antecipações, adicionais, 13º, anistia ampla e irrestrita – Só dá nº de azar!!? – E daí? O negócio é faturar, meninas! E só quero M. B. – Que M. B. é este? Alguma zebra? – Muito Bem, Muito Bem, Muito Bem!? 



- Muito bem. Já entendemos e não queremos esta roupa preta horrorosa ou verde, não somos acadêmicas, nem Justiça e muito menos polícia. 

- Mas serão Guardas, Guardas!

- Muito bem, anjos de Guarda. Boa noite. E nada de versos por hoje.

- Boa noiteeeeee! 

Rezem e agradeçam. Podem guardar o boné do Corinthians, estamos em férias. Naquele mês não compus uma linha.

- Em agosto pode? – Estão loucas, em agosto só darão desgostos; mês do cachorro louco, vacinas, replanejamentos... Nada disso, só podem voltar de Arte em punho lá para...

- Outubro? 

- Não, balança tudo, só em janeiro, na Terrinha da Catarina dos Ocasos raros, lá no mato entre os sapos e grilos.

- Grilos?

- Sem grilos, prometo. Terão como fundo além daquele barulho africano sonolento, o sibilar do vento, o soluço do mar, o assobio das aves.

-Toda onda que pintar? 

- É, todo o quadro, partitura, tudo sem moldura, nem contorno nem formatura, versos dispersos, satisfeitas? Agora sonhem com o MB, MB, MB, MB, contem carneiros em MB, encarnem-se nos números próprios para representar Muito Bem. Terão que pastar.

- Neste asfalto?

- Exato, minhas Exatas educadas na FÍSICA - DOR - AVANTE. Avante! 

- Mestra poeta de uma figa!

- Não xinguem.

- Estamos brincando.

- Fingidas!

- É que já começamos a ensaiar.

- Muito Bem, sábias horrorosas. E tu, Durex do Exército da Salvação, Esparadrapo, vem cá, cur-A-tiva ocupa o teu lugar, Superbonder, preciso dormir em PAZ e acordar mascarada para enfrentar o domingo com marido e família, pelo menos a aderente não pode me faltar.

- Falou bicho.

- Que linguagem é esta?

- É que fiquei ouvindo, sabe como é, né?

- Tu não podes te exceder. Norma elevada, culta, sóbria, clássica!

- Minhas escusas e com licença, tenho que aderir, me dividir para o MB de amanhã, paciência. Pronto!

- Que sono!

- Que sonho, meu Deus! E acordada ainda?!!!

- Bom dia leitores, espero que tenham se divertido.

Em agosto quando entramos na Escola, todas estavam a postos e não paramos mais de criar casos, poemas, contos, sátiras, repentes, modinhas, baladas e muitas crônicas à medida que se ia resolvendo os problemas cotidianos inverossímeis e fictícios. Ninguém nunca ficou sabendo que eram reais. Em 4/8/2008 - data da reformulação/

14/11/13 - data da publicação. 

Marlene Vieira Perez - MPerez                           




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