I - EXALTAÇÃO – ESTÍMULO --
AQUECIMENTO:
Parabéns!
Liberdade condicional, hein?! Férias à vista, compras a prazo. Novidade.
Movimento. Compromissos múltiplos sem horário. Presente. Dinamismo. Fuga da
inércia depressiva de trabalhar 1,2,3 períodos por dia. Vida por dentro e não
por fora. Gozo do in e não do ex. Liberdade de condução. Direção própria.
Autonomia. Trânsito livre por helicóptero. Uma trégua da burocracia, da
pesquisa, da ré-visão, do continho de professora. Da poesia evasiva. É a vez do
poema práxis, pragmático de Piaget Aqui e agora, vamos colocá-lo em prática,
minha filha, e atrasada. Não se esqueça da teoria-lei 5.692/71. Mãos a obra, de
portas e janelas abertas. Higiene completa. Ciência esperta, profilática,
experiência: curiosa descoberta no habitat. Descanso visual. Abandono total das
lentes muletas da intelectual, hein? Terapia da miopia: o Tudo-Fim-de-Mundo, um
nada embaralhado. A sua entrada apoteótica impressionista, um Quadro de Artista,
i-n-mundinho-ninho desfeito pelas cobras da Ave-Eva-Moderna-Expressa. Um
milagre de Cristo, a volta por cima do paraíso perdido, o Reinício do feito.
Quebra da rotina. O clímax dos achados alarmantes, um calmante; das permutas
absurdas, um motivo de orgulho da boneca prendada, que comprova a sua audácia e
temeridade.
A sua
presença indispensável! A vitória da Fúria! Brilho da Estrela-única!
Panorama-dama da organização dramática! Dona das regras, produtora, contra
quebras. Luz simétrica. Musa-métrica do método. Seqüência lógica, viva, comédia
lírica. Censura lúcida da infração inflacionária! Descoberta inédita de peças
engavetadas! Publicação de todos os artigos perdidos! Aproveitamento do espaço,
propriedade! Anúncios magnéticos. Controle e segurança! De-cor-a-ção
automática: Botão em
casas. Espécies separadas, reunidas pela varinha mágica da
Fada! Segredo perfumado da economia doméstica em revista Ela ! Harmonia
perfeita. Ambiente e gente em ambiência poética. Democracia entre sexos:
recreio colorido masculino: desenho animado, Os Trapalhões, O Planeta dos
Homens, O Fantástico e Esporte Espetacular no sofá X ginástica rítmica feminina
contínua. Sauna gratuita, entre na linha, entre filha, a casa é sua! Não tenha
dúvida! Está apenas desapontada de emoção, de saudade. Esteve sempre de
ponta-a-cabeça praticando yoga, para suportar a sua ausência. E não saiu da
posição com o propósito barroco de recepcionar a sua chegada com a inversão
clássica, enigmática da charada acrobática. Não seja ingrata. A intenção é válida:
convite ao jogo da paciência repousante depois de um fim de ano pesado. Tudo de
leve, descoberta de figuras desfiguradas, de sujeitos e objetos, de chaves por
perífrases, antíteses e anástrofes catastróficas. Análise, menina, sem
psicólogo monótono. Paradoxos para matar o seu tempo, estimular o seu potencial
artístico, denso, pela catarse da participação ativa: única oportunidade de
chegar ao significado pelo insignificante de simples imagens complexas,
indecifráveis, surpreendentes. Mas não se surpreenda. Todos os excessos são
pródigos, filantrópicos, próprios da indecisão de anfitriã rica, exagerada, que
só deseja agradar. Esperava ansiosa pela Vedete da festa para decidir, ficar de
pé. Virar, mudar de estilo, dar meia volta, esportivamente. Espetáculo à
moderna. Vamos, troque de roupa: rancheira sem perder a classe. Um toque de
romantismo: malhinha nostálgica decotada, lenço colorido nos cabelos à
espanhola, avental bordado com rendinhas à holandesa e chinelo de dedo à havaiana,
pretinho do avesso, Cocotinha! Você está uma princesa versátil. Remoçou 10
anos, nem sombra da Rainha do Lar, doce lar. Aprovada, pronto! Como aluna
radiante, voluntária que volta ao lar paterno com um projeto: Rondon. De mala a
tiracolo para os primeiros socorros. Vamos começar com o 1º ato de caridade?
Calminha, devagar. São muitas peças e tomadas de cena, figurantes, cenário
imenso, flora e fauna reunidas e amigas.. Desmanchou o rococó? Ótimo. Parta
para o arcadismo. Arcará com tudo e se sentirá útil pastora, depois romântica.
Reagirá ao mal do século e dará uma de positivista, naturalmente. Macaca
autêntica. Em seguida um símbolo de gente, subirá até nas paredes e em uma
semana inaugurará o modernismo, cantarão todos os eletro-domésticos. Publicará
seu dada-ísmo. Finalmente tudo entrará nos eixos. Suada, surrada, voará
surrealista e de Asa-delta da nuvem embaçada e cairá vesga, antropófaga para
enfrentar fevereiro existencialista à espera do seu cargo famigerado de
professora idealista, efetivamente refeita, segura, uma nova Eva, anjo de
mestra, envergando lunetas e uniforme branco. Tudo, porém, depende de você,
Martírios!
Disseram-lhe:
Vá, Martírios, e não dê notícias. E se apresente em 77 para acertos de contas.
Leve consigo os mandamentos. Decore-os e pratique-os.
II – Mandamentos:
Vida ao ar
livre mesmo poluído. Pensamentos sadios. Faça faxina na sua casa: terapia.
Desinfete tudo, extermine as baratas, as pulgas, as moscas. Livre-se de todos
os vermes. Lave o cachorro e o gato com xampu de cachorro para gato e sabonete
de gato para cachorro, última descoberta de bricolagem. Com cuidado para não
tratar o cachorro de gato e vice-versa. Não se esqueça da biblioteca: livro por
livro, todos sacudidos de um quilo de asfalto e esterilizados e agrupados por
assunto, autor e etc, com muita estética. Limpe a lataria do museu com Silvo.
Vai ficar aquela prataria que enganará todos. Lave todas as cortinas com Omo,
pendure sozinha, ótimo para a linha. Carregue os tapetes para fora. Não pode?
Muito pesado? Não se preocupe, o Espírito Santo lhe dará uma mãozinha. Bata com
paciência e energia, feche os olhos, esqueça os cabelos, você ficará misteriosa
de cinza, irreconhecível. Deixe no sol, porém olhe o céu. Ao primeiro pingo,
carregue tudo para dentro rapidamente para evitar o mofo e passe o aspirador,
removedor nos mais velhos, vinagre nos novos e enrole.
Comece a
limpar os vidros com água e sabão e depois álcool para dar brilho. Tudo por
dentro e por fora. E não se esqueça do jornal para tirar os pelos e as manchas
gordurosas. Trepe na janela. Use calça comprida e escada, vire macaca. Não se
esqueça do chão, precisa refletir você, linda de morrer, lá no seu devido
lugar. Varra tudo primeiro. Se for alérgica à poeira, tussa à vontade e limpe o
nariz no avental muito limpinho, afinal não tem ninguém em casa. Todos estão
trabalhando e estudando. Só você de férias. Continue no chão. Passe removedor e
cera Powask e depois, naturalmente, a enceradeira. Não desanime, não
escorregue, agora ficou mais leve. O milagre é da energia elétrica, afinal, você
ainda é feliz por ter enceradeira, obra do Espírito Santo e depois são só
quatro quartos, um salão, dois banheiros e uma copa-cozinha. Não é nenhum
palácio e você, nenhuma Cinderela para ter escrúpulos de ser gata borralheira
no seu próprio ninho. E deixemos de filosofia, vamos encerar a cozinha, mas
antes limpe todos os armários embutidos por dentro e por fora com benzina. É
claro, depois de retirar tudo e lavar muito a louça não usada para remover as
crostas amarelas do tempo. Você pensa que o seu exaustor é de ferro, tem nariz
de frigideira? Coitado! Você precisa ajudá-lo. Não vá cometer a asneira de
esquecer dos azulejos até o teto. Voltam a escada, o jeans, muito bombril e
água. Orgulhe-se! Não é qualquer um que possui azulejos até o teto, muito chique.
Limpe todas
as paredes com aquele produto americano que você comprou na sua vizinha Nerina,
naquela reunião de praxe que você descarregou a Nerina e o seu bolso e saiu
carregada. Você não queria, eu sei, era caríssimo, mas agora com a maxi, uma
ninharia. É verdade que um potinho não dá pra nada, claro, é o teste. Vai
adorar. E depois é só comprar mais. Sinta-se uma vez na vida a Jane Powel, não
esqueça do laçarote cor-de-rosa, mate as saudades da matinée à tarde,
queridinha. Muito fácil, massa corrida. Não deu pro gasto? Muita gordura na
copa e até nos quartos? Seja prática e use o Limpol, sabão, amoníaco, potassa.
As mãos? Já esqueceu do creminho para as mãos da Nerina que tem um cheiro de
rato morto? Então, use à noite, ninguém vai perceber. Quando você for dormir, a
sua cara-metade já estará roncando. É a oportunidade do retorno do Realc-Glô
que lhe custaram uma semana de aulas! Não choramingue. Suas mãos de fada
merecem mais, ficarão sedosas como uma rosa.
Arregace as mangas e mande mais Bombril aos quilos com esponja, Perfex
e etc. Tá bom, tá certo, pegue aquela mangueira de quinhentos metros com cem
toneladas e mande brasa, digo, água. Sinta-se o bombeiro, tão dignificante!
Mas que
reboliço! É quase hora do jantar e nada de requentar almoço nas férias. Que
horror, afinal agora você tem tempo até pra você. Então, você rodeada de
sorrisos? Surpresa, prato novo, sobremesa. O chão está uma lagoa. E daí?
Cabecinha de vento! É só pegar o saco e de quatro vá torcendo no balde. Uma
tortura reconheço. Está arfando? Respire fundo, assopre, minha Super Woman. Viu? Secou tudo. E até você.
Não queria emagrecer?
O seu
sobrado é todo acarpetado? Mas sujo não dá, né nega?
Deixe para
amanhã. Levante-se bem cedo. Antes de tomar banho olhe-se no espelho. Faça o seu
desenho. Tire uma cópia com papel carbono. Aproveite a ideia para bolar a sua
máscara para o próximo carnaval com previsões astrológicas de defesa para cenas
greco-romanas da antiguidade tragi-clássica de teatro: original carnaval de 77
sem tréguas. Confie no 7 (sete) para pintá-lo à vontade com cara de pau. É o
ano da chance. Ninguém acreditará que a colombina virou Messalina, que a
Julieta virou Lucrécia. Você será só Amélia. Portanto, acorde, Martírios! Onde
você deixou os tapetes? No sol. Mas já olhou o céu? Trovoada de verão. Rápido.
Cada gota enche um balde. Estão mais
pesados? Claro, que ingenuidade! Você pensou que suas fracas batidinhas iriam
livrá-los de todo o potencial de lixo, pulgas, mosquitos e detritos orgânicos
contaminados de coliformes fecais? E as cobras, gataria e cachorrada que
andaram por aqui para contaminar tudo enquanto você dava aulas? Mas não seja
burra. É a lei da gravidade. Não é nada grave. Não vai querer discutí-la. E
muita coisa você atraiu com a sua cara melada e irreconhecível após aquela
aplicação de rinsage cinza-prateada nos seus cabelos, meio quilo do produto
voltou para o seu devido lugar em mingauzinho. Mas não seja ingrata. Não faça
tempestade em copo d’água. Apenas oito tapetes úmidos e menos imundos. Um pingo
de peso. Mas valeu a pena, voltaram diferentes, esfumados, maquiados,
estampados, de nuances derivadas, manchados como você queria, artista.
Moderninhos, viu? Surrealistas finalmente. Vão fazer sucesso com as jovens
visitas de rancheiras desbotadas. Afinal, logo logo a mamata das férias termina.
III – Férias Reais:
Sorridente
entrou a professora na escola, toda de branco. Um anjo. Cumprimentou as
colegas. Adorou sua turma, não reclamou nada.
Na sala de aula, não fez a chamada. Todos em silêncio de expectativa.
Martírios abriu o jornal do dia, mandou a turma fazer cópia da última lição.
Finalmente de férias, deu um grande suspiro de alívio como este continho do
vigário que agora termina e volta ao início logo, logo porque é cíclico,
infelizmente...
Marlene Vieira
Perez - MPerez
(Original da
década 70, adaptado em 24/09/13)