Quando Roberto Pompeu de Toledo tinha
semanalmente a última
página na Veja
(e a revista era de excelente qualidade naquela
época),
nem sequer sabia que era por ela que eu começava a minha
leitura.
Naquele
tempo eu não tinha computador e provavelmente ele
escrevia a
maquina.
Depois de
ler a coluna “Ponto de Vista”, eu começava a percorrer
a revista
de modo menos oriental: lia de frente para trás,
como todo
mundo!
Embora já
vivesse em Paris, era pela publicação que me inteirava
do que ia
acontecendo por aqui; até mesmo da reforma dos
Champs
Elysées eu soube via Brasil!
Um dia
fiquei boquiaberta com a sua crônica falando sobre
umas
senhoras paulistas residentes em Santana; pensei, remexi, refleti,
pensei de
novo, repensei e ensaiei umas linhas que jamais lhe
enviei,
inclusive porque demoraria um mês para que minha carta
chegasse
ao Brasil.
Internet?
Neca de biribiteca...
Guardei
aquelas linhas para um senhor tão especial e, remexendo
no fundo
do meu baú, encontrei-as intactas; como uma obsessiva,
releio
tudo que encontro, pois se foi guardado é porque
tem
serventia. E não é que tem mesmo?
Quase
trinta anos se passaram e eu me pergunto se as senhoras
de Santana
que se manifestaram em São Paulo pela censura na
TV,
especificamente sobre as cenas de sexo nas novelas, são avós
prafrentex
ou ainda continuam com as ideias paradas?
É verdade
que, num país democrático, pedir adesões para uma
campanha
de moralização dos costumes denota que a liberdade de
expressão
existe (para esse caso); mas o trágico é saber que um
grupo pode
dela se favorecer para justamente acabar com essa
mesma
liberdade.
Analisando
friamente a situação das mulheres que pertencem
ao que
sobrou da classe média urbana brasileira, pode-se prever
que elas
mesmas serão capazes de enterrar definitivamente os esforços
que as
mulheres conscientizadas do mundo ocidental tentam
fazer em
prol da sua emancipação.
Saídas de
Santana, Botafogo ou Amaralina, pouco importa,
quando na
realidade são exatamente aquelas mulheres que contribuem
a cada dia
para o alargamento de uma sociedade machista e
reacionária.
Num país
onde eles, tirando a
mãe – uma santa –, a irmã, uma
virgem, e
a esposa, uma freira, todas as demais mulheres não prestam
e bem
merecem ser comidas pelos mais variados tipos de machos
colocados
à disposição no mercado.
Não é de
estranhar que mais de 100 mil pessoas, provavelmente
a mulher do
dentista, do médico
ou do engenheiro estejam
estimuladas
para cortar a cena do beijo, do estupro ou da masturbação
que
aparece na novela. Por que, então, não mutilar os filmes?
Por
exemplo, todos os do Fellini, rasgar os romances, contos e artigos
especializados
em erotismo ou sexologia, cobrir de luto as
telas dos
nus de Modigliani, botar sutiã na Vênus?
Por que não
colocar os livros do Reich na
fogueira inquisitorial?
Por que
não questionar Freud? Por que não exorcizar Lacan?
Simples:
por desconhecimento.
Se foram à
escola, o que estudaram? Estiveram no curso normal
dos anos
50, nas aulas de economia doméstica restrita às receitas
de comidas
e de tricot?
Sua grande
emancipação teria sido pular da fogueira draconiana
dos pais
opressores e irmãos vigilantes para o fogo infernal
do
casamento, que durará até que a casa caia, sem
alguma reflexão,
atuação ou
escolha?
Quando
lhes vêm uma sexóloga que lhes abre as portas elas
lhe viram
a cara para não terem de olhar no fundo dos seus próprios
problemas
a fim de solucioná-los um dia.
Gostaria
de saber se houve 100 mil orgasmos, ou, para ficar
menos
chocante, pelo menos um orgasmo por mulher, daquelas
que
assinaram a lista.
Gostaria
de saber qual poder de decisão cabe a elas no reino
doméstico,
além da eventual compra da abobrinha e da bronca na
empregada.
Gostaria
de saber quantos de seus filhos, por não terem sido
encaminhados
para coisa melhor na vida, preferem os traseiros
em grande
angular que as revistas especializadas oferecem, para
que eles,
na sua incapacidade de análise gerada na criação que
tiveram,
se satisfaçam de maneira doentia num voyerisme sem
precedentes.
Gostaria
de saber se as mães deles chamam e são chamadas
para o ato
com prazer, e se o consideram saudável?
Gostaria
de saber se seus maridos não preferem secretamente
dormir com
a secretária.
Gostaria
de saber quantas trabalham, por que e se gostam do
que fazem.
Gostaria,
enfim, de saber se elas desejam para as suas filhas a
perpetuação
da opressão, se desejam maridos franco-atiradores (lato
e estrito
senso) e cada vez menos vez na sociedade que elas mesmas
alicerçaram
com a orientação, é claro!, de seus eternos patrões,
os homens.
Por isso,
reivindicar a CENSURA é anular todo o processo de
libertação
que os outros nos abrem; não é participar positivamente,
mas
enterrar a sociedade e condená-la a um obscurantismo de inspiração
medieval
com apenas 500 anos de atraso.
O que
desejar a essas mulheres de Atenas?
Ora, que
aproveitem a deixa da onda pseudodemocrática para
tomar uma
posição libertária: durante o horário nobre, que desliguem
a TV e
abram um livro; assim, no dia seguinte, ao invés de
discutirem
o happy end da novela, marchem para um happy end
de seus
próprios destinos.
Roberto,
desculpe-me por não lhe ter enviado esta crônica na
hora
certa.
Leitor,
desculpe-me se saí da linha e deixei entrelinhas chocantes;
afinal, sou uma senhorinha
bem mal comportada!
Wilma Schiesari Legris in CRÔNICAS E CONTOS CRUÉIS