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Segundo detalhes macabros de minha mãe, meu parto
foi muito difícil, meio a brasa e ferro, daí ter eu sido registrada
oficialmente só a 20 de Outubro, sem o Souto materno. Uma pena! Acho um luxo
Souto Vieira, mesmo sem ser o castiço do Vieira Souto, sei lá. Logo cedo me
senti rejeitada? Não sei e nem quero saber.
Meu nome Marlene,foi em louvor à
parteira Maria Madalena, também nunca entendi bem esta homenagem assim mutilada
em aglutinação canhestra.
Cantar,representar, ler e escrever
sempre foram minha fuga para o jardim preferido.
Quase todos os dias apanhava uma surra
da minha mãe, com vara de macieira ou marmelo que eu era obrigada a escolher no
pomar, a mais grossa de preferência. O castigo maior latejava na dor da
humilhação. Como era proibido chorar; sempre vinha um segundo tempo para calar
os lamentos. Naquele tempo não havia a Associação de amparo ao menor.
Nunca sabia por que apanhava, afinal
era cozinheira, limpava os lixos do teatro cotidiano, bordava e fazia labirinto
em todos os ângulos, curvada nos bastidores. Creio ser o motivo de nunca ter a
vida me reprovado nos seus bancos de escola.
Meu primeiro emprego foi após o
segundo grau, auxiliar de secretária no extinto Instituto Brasileiro do Café.
Pode? Na seqüência veio Farmácia, Direito e casamento, uma graça! Logicamente a santíssima trindade tinha que
ser mutilada. O direito foi condenado e saiu do páreo. Medicina muito distante
competia nas vizinhanças de Curitiba. A atmosfera na minha casa aos vinte anos
tornou-se sufocante e reacionária. Fuga: casei com um senhor pobre sem engenho
de açúcar. Além de idoso e feio como comentavam no seio da família, era vinte e
cinco anos mais velho do que eu. Os filhos que me desculpem, mas se são belos
puxaram à mãe, ainda bem. Ao todo três: Taipas, Coiper e Brero. Calma gente são
só apelidos de crianças, na verdade têm nomes até grandiloqüentes e
aristocráticos: André Luiz, Carlos Alberto e Augusto Cezar. Devido à pressão óbvia, desisti de advocacia,
terminei farmácia e fui ser professora, me enveredando para o campo das letras
e das ciências naturais.
Mais tarde vim para São Paulo. Marido
aposentado, trabalhando em imobiliária.
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Dizem que admiração traz inveja,
inveja traz ódio, diabo a quatro e o pior é que tudo faz sentido. Até pode ser
mas sempre fui muito feliz !?. Ah! lembrei, também fiz Pedagogia com habilitação
em Supervisão, Administração e todos esses cursos de espera marido, mas
infelizmente, pasmem! já era casada e consciente da minha situação inexorável
de prisioneira.
Antes de me casar... Imaginem? Isso
ai, adivinharam. Uma ameaça de cantora de rádio e atriz de novela em cena
naquela ilha perdida toda mágica. É isso mesmo, a nossa Florianópolis, da
“Princesinha da Ilha” etc e tal. Adivinhem? Na rádio Guarujá ahahah, com
quatorze anos fui mãe de um ceguinho, Dona Maria. Não lembro mais do nome da
novela. Só lembro de que o contra-regras era o Mozart Régis, isso mesmo, o
Pituca, produtor do Jô Soares, aquele do “Viva o Gordo” ! Meu pai entrou em
cena e fechou o tempo.

Como farmacêutica de faculdade pública
hoje integrada na UFSC, formada em 1958, nunca me realizei. Considero-me até
hoje uma curiosa artesanal na linha fitoterápica: chás, poções, xaropes,
ungüentos, pomadas e derivados afins.
Andei lá pelo IBEHE me informando em
Homeopatia durante dois anos e consegui alinhavar uma tese na filosofia
homeopática enfocando-a no Desenvolvimento Moral da Humanidade, talvez publique
um livro sobre o assunto, por que é muito instigante. O maior interesse era
equilibrar-me para entender a polêmica entre os meus filhos médicos. Na verdade
não havia polêmica nenhuma. Todos concordaram finalmente que a homeopatia era
apenas mais uma tentativa de cura para os males da humanidade, na busca de
vencer a morte.
Viciada em escola me considero até
hoje, já com 70 anos e aposentada, aluna e mestra.
Sou religiosa da linha ecumênica.
Embaso tudo na consciência cósmica do Universo.
Que belo! Enveredo pelo assunto engatinhando em física quântica.
Fascinante.
São Paulo, 27 de abril de 1997.
Marlene Perez - Lene
Marlene Perez - Lene
Lene, começei hoje a ler tua biografia e estou simplesmente adorando! Como vc escreve bem! Vou ler tudinho!!! E vou comentando aos poucos. Bjs
ResponderExcluirObrigada amiga, é uma honra, ainda há uns reparos a fazer, relendo sempre se acha, a falta de um acento, uma oração principal que ficou no caminho...mas vou aos poucos burilando como dizia Mário de Andrade: quando sinto a inspiração lírica, escrevo tudo que o meu inconsciente me grita, depois paro para refletir e corrigir o que escrevi- Lene em 27/10/12
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