sábado, 13 de outubro de 2012

AUTOBIOGRAFIA I


I

Nasci a 9 de Outubro de 1935, às 14:00 horas, na ilha de Florianópolis – SC. Tenho o Sol em Libra, com ascendente em Aquário, lua em Peixes e até que faz sentido.
Segundo detalhes macabros de minha mãe, meu parto foi muito difícil, meio a brasa e ferro, daí ter eu sido registrada oficialmente só a 20 de Outubro, sem o Souto materno. Uma pena! Acho um luxo Souto Vieira, mesmo sem ser o castiço do Vieira Souto, sei lá. Logo cedo me senti rejeitada? Não sei e nem quero saber.  
Meu nome Marlene,foi em louvor à parteira Maria Madalena, também nunca entendi bem esta homenagem assim mutilada em aglutinação canhestra.
Cantar,representar, ler e escrever sempre foram minha fuga para o jardim preferido. 
Tinha como irmã uma deusa grega surpreendente até no nome Zoê.  
Quase todos os dias apanhava uma surra da minha mãe, com vara de macieira ou marmelo que eu era obrigada a escolher no pomar, a mais grossa de preferência. O castigo maior latejava na dor da humilhação. Como era proibido chorar; sempre vinha um segundo tempo para calar os lamentos. Naquele tempo não havia a Associação de amparo ao menor.
Nunca sabia por que apanhava, afinal era cozinheira, limpava os lixos do teatro cotidiano, bordava e fazia labirinto em todos os ângulos, curvada nos bastidores. Creio ser o motivo de nunca ter a vida me reprovado nos seus bancos de escola.
Meu primeiro emprego foi após o segundo grau, auxiliar de secretária no extinto Instituto Brasileiro do Café. Pode? Na seqüência veio Farmácia, Direito e casamento, uma graça!  Logicamente a santíssima trindade tinha que ser mutilada. O direito foi condenado e saiu do páreo. Medicina muito distante competia nas vizinhanças de Curitiba. A atmosfera na minha casa aos vinte anos tornou-se sufocante e reacionária. Fuga: casei com um senhor pobre sem engenho de açúcar. Além de idoso e feio como comentavam no seio da família, era vinte e cinco anos mais velho do que eu. Os filhos que me desculpem, mas se são belos puxaram à mãe, ainda bem. Ao todo três: Taipas, Coiper e Brero. Calma gente são só apelidos de crianças, na verdade têm nomes até grandiloqüentes e aristocráticos: André Luiz, Carlos Alberto e Augusto Cezar.  Devido à pressão óbvia, desisti de advocacia, terminei farmácia e fui ser professora, me enveredando para o campo das letras e das ciências naturais.
Mais tarde vim para São Paulo. Marido aposentado, trabalhando em imobiliária.
Lá pelas tantas me vi formada pela USP em Línguas, com licenciatura, bacharelado e tudo. Nem acredito. Eureka ! Eu não sou burra, até hoje é o meu extra-brilho. Concursos públicos para o Estado, Prefeitura, perdi a conta. Sucesso total. Meu pai sempre dizia: “Meninas, vou educa-las porque são fracas, devem se defender com a cabeça e com a palavra meninas! É o que nos salva. Sejam sempre muito honestas mas  muito críticas. Eu posso dar murro no pesado, vocês não. Eu juro!“. 
Dizem que admiração traz inveja, inveja traz ódio, diabo a quatro e o pior é que tudo faz sentido. Até pode ser mas sempre fui muito feliz !?. Ah! lembrei, também fiz Pedagogia com habilitação em Supervisão, Administração e todos esses cursos de espera marido, mas infelizmente, pasmem! já era casada e consciente da minha situação inexorável de prisioneira. 
Antes de me casar... Imaginem? Isso ai, adivinharam. Uma ameaça de cantora de rádio e atriz de novela em cena naquela ilha perdida toda mágica. É isso mesmo, a nossa Florianópolis, da “Princesinha da Ilha” etc e tal. Adivinhem? Na rádio Guarujá ahahah, com quatorze anos fui mãe de um ceguinho, Dona Maria. Não lembro mais do nome da novela. Só lembro de que o contra-regras era o Mozart Régis, isso mesmo, o Pituca, produtor do Jô Soares, aquele do “Viva o Gordo” ! Meu pai entrou em cena e fechou o tempo.
Com o salário do magistério público eduquei a macharia, entrava pela madrugada a dentro. O Nelson Gonçalves da boemia era fichinha. Todos os meus filhos têm curso superior, com PhD ou sem PhD são todos doutores, e como são. Sim, Senhores! Soltei os “currículos vivos” no mundo, voltei a Florianópolis, comprei “O sítio do Silêncio”; que hoje se chama “Morada da Velha Gralha Azul (em extinção)”. Belos jardins, casa grande à marimbondo e virei estancieira num insight sem capital de giro, nem lucro, nem nada, mas eu era um arado naquela terra, como girava. Cresci muito como personagem de cinema mudo. A arte da ambiência e do ambiente se impunha viva. A poesia concreta me rodeava por todos os lados. Daí a pausa prolongada das minhas crias.
Já viúva, após o cumprimento de trinta e quatro anos de calvário por equívoco dos jurados, que me julgam até hoje na tentativa de consertar o terrível engano e fazer justiça, afinal são todos dignos e de boa-fé. Durante aquele tempo trabalhei às cegas como vaca de engenho em círculos com antolhos e tudo para alimentar os filhotes com farinha e açúcar.
Como farmacêutica de faculdade pública hoje integrada na UFSC, formada em 1958, nunca me realizei. Considero-me até hoje uma curiosa artesanal na linha fitoterápica: chás, poções, xaropes, ungüentos, pomadas e derivados afins.
Andei lá pelo IBEHE me informando em Homeopatia durante dois anos e consegui alinhavar uma tese na filosofia homeopática enfocando-a no Desenvolvimento Moral da Humanidade, talvez publique um livro sobre o assunto, por que é muito instigante. O maior interesse era equilibrar-me para entender a polêmica entre os meus filhos médicos. Na verdade não havia polêmica nenhuma. Todos concordaram finalmente que a homeopatia era apenas mais uma tentativa de cura para os males da humanidade, na busca de vencer a morte.
Viciada em escola me considero até hoje, já com 70 anos e aposentada, aluna e mestra.
Sou religiosa da linha ecumênica. Embaso tudo na consciência cósmica do Universo.  Que belo! Enveredo pelo assunto engatinhando em física quântica. Fascinante.




São Paulo, 27 de abril de 1997.

Marlene Perez - Lene  

2 comentários:

  1. Lene, começei hoje a ler tua biografia e estou simplesmente adorando! Como vc escreve bem! Vou ler tudinho!!! E vou comentando aos poucos. Bjs

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  2. Obrigada amiga, é uma honra, ainda há uns reparos a fazer, relendo sempre se acha, a falta de um acento, uma oração principal que ficou no caminho...mas vou aos poucos burilando como dizia Mário de Andrade: quando sinto a inspiração lírica, escrevo tudo que o meu inconsciente me grita, depois paro para refletir e corrigir o que escrevi- Lene em 27/10/12

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