sábado, 13 de outubro de 2012

AUTOBIOGRAFIA II


II


A vida inteira tenta trocar de roupa
este espírito sensível e irrequieto.
O vestido se desbota velho puído nos cotovelos.
Bolero um rock fantástico interno
às voltas na década de 60 requebro-me
entro de ré em 50 na fuga estéril
do Gregório de Barros. Masturbação violenta.
Lençol branco. Cadeira de balanço.
Uma canastra em resumo de mala
estourando planos seculares e burgueses
1956 : A minha figueira de muletas
da praça XV com catedral aonde entro
cega de grinalda tropeçando na cauda
por um fio de meada no dedo
1970 : Chegava em São Paulo, procedente de Florianópolis, hóspede
da Avenida General Olímpio da Silveira
quando cassam Santa Cecília com a igreja e o cinema
para eleger o Minhocão machista
No chão maços de poemas censurados e cigarros
Nem fósforo nem cinzeiro
Quarto compartilhado. Cunhadas de guarda.
Marido no quarto da empregada.
Três filhos na sala. Tudo apagado. Insuportável.
Aliança casada, anel de grau solteiro
com cobra envenenando a taça num abraço livre
tilintam os signos no silêncio, comprometendo-me.
Relógio antigo tic– tac de consciência
voa comigo ao paraíso da insônia.
Currículo na expectativa de nova algema. Dúvida
Na seta da vida brilha a U.S.P. acadêmica. Coruja.
1980 : Façanha inédita de poeta : professora pública efetiva em
todos os níveis imagináveis.

Títulos ? Vide prontuários megalomaníacos investindo contra as pastas

de papelão.
- Só ocupam o armário e a sua cabeça, professora : não valem mais nada.
Comenta a diretora terrivelmente realizada.
Só o tempo conta ? Pra entrar aonde ?
Hoje os meus poemas concisos saem do mofo
em quilômetros, blocos de irmãos pródigos.
Escapam desgarrados pela abertura sem espaço.
Muitos se entregam às traças sem pé nem cabeça
caem do elevado
num túnel de três algemas
dorme um mutilado. Primo rejeitado ? Quem sabe?

São Paulo, 25 de novembro de 1980.

Marlene Perez - Lene

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