quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Mulheres de Atenas: sexo discreto ou reprimido?



          Quando Roberto Pompeu de Toledo tinha semanalmente a última
página na Veja (e a revista era de excelente qualidade naquela
época), nem sequer sabia que era por ela que eu começava a minha
leitura.
Naquele tempo eu não tinha computador e provavelmente ele
escrevia a maquina.
Depois de ler a coluna “Ponto de Vista”, eu começava a percorrer
a revista de modo menos oriental: lia de frente para trás,
como todo mundo!
Embora já vivesse em Paris, era pela publicação que me inteirava
do que ia acontecendo por aqui; até mesmo da reforma dos
Champs Elysées eu soube via Brasil!
Um dia fiquei boquiaberta com a sua crônica falando sobre
umas senhoras paulistas residentes em Santana; pensei, remexi, refleti,
pensei de novo, repensei e ensaiei umas linhas que jamais lhe
enviei, inclusive porque demoraria um mês para que minha carta
chegasse ao Brasil.
Internet? Neca de biribiteca...
Guardei aquelas linhas para um senhor tão especial e, remexendo
no fundo do meu baú, encontrei-as intactas; como uma obsessiva,
releio tudo que encontro, pois se foi guardado é porque
tem serventia. E não é que tem mesmo?

Quase trinta anos se passaram e eu me pergunto se as senhoras
de Santana que se manifestaram em São Paulo pela censura na
TV, especificamente sobre as cenas de sexo nas novelas, são avós
prafrentex ou ainda continuam com as ideias paradas?
É verdade que, num país democrático, pedir adesões para uma
campanha de moralização dos costumes denota que a liberdade de
expressão existe (para esse caso); mas o trágico é saber que um
grupo pode dela se favorecer para justamente acabar com essa
mesma liberdade.
Analisando friamente a situação das mulheres que pertencem
ao que sobrou da classe média urbana brasileira, pode-se prever
que elas mesmas serão capazes de enterrar definitivamente os esforços
que as mulheres conscientizadas do mundo ocidental tentam
fazer em prol da sua emancipação.
Saídas de Santana, Botafogo ou Amaralina, pouco importa,
quando na realidade são exatamente aquelas mulheres que contribuem
a cada dia para o alargamento de uma sociedade machista e
reacionária.
Num país onde eles, tirando a mãe – uma santa –, a irmã, uma
virgem, e a esposa, uma freira, todas as demais mulheres não prestam
e bem merecem ser comidas pelos mais variados tipos de machos
colocados à disposição no mercado.
Não é de estranhar que mais de 100 mil pessoas, provavelmente
a mulher do dentista, do médico ou do engenheiro estejam
estimuladas para cortar a cena do beijo, do estupro ou da masturbação
que aparece na novela. Por que, então, não mutilar os filmes?
Por exemplo, todos os do Fellini, rasgar os romances, contos e artigos
especializados em erotismo ou sexologia, cobrir de luto as
telas dos nus de Modigliani, botar sutiã na Vênus?

Por que não colocar os livros do Reich na fogueira inquisitorial?
Por que não questionar Freud? Por que não exorcizar Lacan?
Simples: por desconhecimento.
Se foram à escola, o que estudaram? Estiveram no curso normal
dos anos 50, nas aulas de economia doméstica restrita às receitas
de comidas e de tricot?
Sua grande emancipação teria sido pular da fogueira draconiana
dos pais opressores e irmãos vigilantes para o fogo infernal
do casamento, que durará até que a casa caia, sem alguma reflexão,
atuação ou escolha?
Quando lhes vêm uma sexóloga que lhes abre as portas elas
lhe viram a cara para não terem de olhar no fundo dos seus próprios
problemas a fim de solucioná-los um dia.
Gostaria de saber se houve 100 mil orgasmos, ou, para ficar
menos chocante, pelo menos um orgasmo por mulher, daquelas
que assinaram a lista.
Gostaria de saber qual poder de decisão cabe a elas no reino
doméstico, além da eventual compra da abobrinha e da bronca na
empregada.
Gostaria de saber quantos de seus filhos, por não terem sido
encaminhados para coisa melhor na vida, preferem os traseiros
em grande angular que as revistas especializadas oferecem, para
que eles, na sua incapacidade de análise gerada na criação que
tiveram, se satisfaçam de maneira doentia num voyerisme sem
precedentes.
Gostaria de saber se as mães deles chamam e são chamadas
para o ato com prazer, e se o consideram saudável?
Gostaria de saber se seus maridos não preferem secretamente
dormir com a secretária.

Gostaria de saber quantas trabalham, por que e se gostam do
que fazem.
Gostaria, enfim, de saber se elas desejam para as suas filhas a
perpetuação da opressão, se desejam maridos franco-atiradores (lato
e estrito senso) e cada vez menos vez na sociedade que elas mesmas
alicerçaram com a orientação, é claro!, de seus eternos patrões,
os homens.
Por isso, reivindicar a CENSURA é anular todo o processo de
libertação que os outros nos abrem; não é participar positivamente,
mas enterrar a sociedade e condená-la a um obscurantismo de inspiração
medieval com apenas 500 anos de atraso.
O que desejar a essas mulheres de Atenas?
Ora, que aproveitem a deixa da onda pseudodemocrática para
tomar uma posição libertária: durante o horário nobre, que desliguem
a TV e abram um livro; assim, no dia seguinte, ao invés de
discutirem o happy end da novela, marchem para um happy end
de seus próprios destinos.
Roberto, desculpe-me por não lhe ter enviado esta crônica na
hora certa.
Leitor, desculpe-me se saí da linha e deixei entrelinhas chocantes;

afinal, sou uma senhorinha bem mal comportada!

Wilma Schiesari Legris in CRÔNICAS E CONTOS CRUÉIS

Um comentário:

  1. Estou emocionada com o estilo corajoso e direto de minha eterna amiga e escritora Wilma
    que está fazendo muito sucesso com suas CRÔNICAS CRUEIS. Continue para falar por muitas mulheres
    que ainda têm medo da própria sombra e vivem à sombra de seus amados armados até os dentes
    e não se emancipam por medo de ENFRENTAR A VIDA QUE ACABAM PERDENDO PREMATURAMENTE NAS MÃOS DE SEUS GATOS INOFENSIVOS...MPerez

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