sexta-feira, 28 de novembro de 2014

NADA MAIS NÃO (TEXTO PARA TEATRO - II)


NADA MAIS NÃO


                  Andou lá pela ilha acampada.
                  Rápido. Carnaval. Corrida a jato.
                  Comeu churrasco.
                  Cozinhou mariscos. Enjoou.
                  Bandas do Jurerê sem samba.
                  Tudo de leve muito elegante
                  bermudas shorts maiô
                  óculos escuros sem chapéu de palha
                  muito Garbo. Sem fotógrafos nem autógrafos.
                  Esvoaçava
                  cortejo de arco-íris
                  verde azul dourado.
                  Volta lírica. Faz poesia açucarada
                  renascença da eterna adolescente.
                  A onda carrega a máscara
                  da ironia agressiva.
                  O sol vence a peneira de areia movediça
                  afunda. Mergulha em nuvens.
                  Tudo confuso. Absoluto. Sem divisões.
                  Ela era. Descoberta sem alaridos.
                  Dissipam-se as dúvidas, nuvens...
                  Clareza sem pensamento.
                  Emoção a escorrer, a dissolver a
                  casca. Brotava. Era ela.

Um menino sentado. Cabeça erguida.
Estava ao seu lado. Não a via. Olhava
a praia e crescia. Agigantava-se.
Ela diminuía. Era uma concha
uma pedrinha branca. O gigante, um
simples homem. Avermelhado.
Um pouco calvo. Algo o incomodava.
Mudou de posição. Alisou o cotovelo.
Sorriu acariciou entre os dedos a malva-
da. Inofensiva, macia. A pedrinha fi-
cou rosada, rara, pensou. Daria um
anel. Ingenuidade. Igual às demais.
Arremessou-a ao mar. Má pontaria.
Apenas um salto. Vexado. Nunca acontecia
aquilo. Queria o triplo. Tateou no limo.
Nada. Sumiu a segunda chance.
Fugiu.
                  Mudou de ares em outros mares.
                  Na maré pisou o pé. Desgraçada de
                  pedra. Merda. Uma navalha.
                  Improvisou a barba. Sangrou.
                  Ia jogar fora. Não. Podia machucar
                  outros. Confiada. Sorrateira, sanguinária,
                  aguda. Canivete de unha!
                  Guardou no bolso decidido.
                  Pedra fardo. Andava arrastado. Tentou
                  desvencilhar-se. Era tarde. Escurecia.
                  Entrou em casa algemado. Dormiu.
                  Acordou surpreso !?!
                  Deu de cara na cama com uma mulher estranha.
                  Delirava? Que pedrada!

Um dia distraído voltou o menino à praia.
A seus pés gelada, toda molhada
a pedrinha rosa desbotada.
Sorria ou chorava?
Apenas uma menina jogada na areia
Nada mais não. Foi embora. Era um homem.
Abriu a porta. E o fantasma da menina
morta dominava numa mulher viva
multiplicava-se. Uma chuva de granizo
rosado o provocava. Fez um colar.
Era carnaval. Seguiu um bloco.
Na Quarta-feira de cinzas entrou. Fechou
a porta. A pedra afiada o esperava.
Na Quinta-feira arrebentou o colar, enforcou-se
com uma gravata e seguiu para a
Candelária.

                  Ela já era. E ao seu lado
                  continuava um menino
                  sentado...um gigante.
                  Lógica do meio tempo:
                  Um homem e uma mulher petrificados
                  Coisas de praia.
                  Nada mais não.

Mas a Pedrinha branca vem à tona:
Jogada ao mar. Não sabia nadar. Afundava
no limo. Mordida. Água viva. Precisava subir.
Se boiasse estaria salva. Tossia. Ia morrer
sozinha. Esquecida. Afogada na praia
da Saudade ou do Continente entre
coqueiros? Não, continente estreito.
Presença de alguém finalmente.
Reconheceu a mesma mão. Tremeu. Não.
Vai jogar-me novamente. Jogo pra assistência?
Ambulância. Cheiro de éter. Lança perfume.
Vomita gente. Vozes cada vez mais perto.
Ilusão deserta. Milagre. Deu na praia viva.
Escorria, corria, corria. Tropeça.
Dá de cara com um guarda. O que fazia
aquela hora? Tonta de xereta? Xereta?
Meta-se com a sua vida. Era o chefe de onde?
Memória fraca. Uma menina abandonada.
Estória de carochinha. Uma charrete voava.
O guarda açoitava os corcéis. Presa nas
grades da Igreja. Grávida. Grávida. Grávida.
Um menino um menino um menino.
Onde estava o homem? O primeiro menino?
O gigante? Delirava? O guarda espiava.
Era um louco? E o outro? O outro? O outro?
Os meninos jogavam bola ou pedra?
Na praia ou no mar? Cega, cega, cega
a mulher verde-amarela. Alguma sereia?
Escrevia na areia perdida. A onda levava.
Apagava a vida. O passado voltava.
Desmaia. Ao longe diluindo-se um olhar
conhecido? Indiferença. Esperança desfeita.
Impossível. Pior abrir os olhos. O guarda a
carrega no colo e faz seu enterro. De visita
três meninos homens. Gigantes que se despendem
sem beijos sem flores. Há um ramo invisível de
oliveira. Perfume de azeitona. Engano.
Está seco. Entre os dedos uma “madre-silva”
murcha como muitas. Um palácio rosa
delineia-se sem princesa. Uma figueira de
muletas perto da igreja. Símbolo da
paralisia da menina. Pedras na janela.
O vento entra pelas frestas e anuncia
Perverso: suicídio na Candelária
do Rio de Janeiro. Roxo, o homem vermelho,
quase verde, amarelo. Encontrado
dentro de uma Caixa enforcado com
uma gravata.
                  Uma menina enterrada viva
                  se levanta. Uma mulher
                  estranha joga cartas enigmáticas, sozinha pela
                  vida.
                  O fantasma do guarda se agiganta.

Incêndio na Caixa Econômica
Agência Candelária

Motivo:   Um funcionário atiçou
                  fogo num maço de cartas
                  de amor e matou em si
                  o jovem destinatário de 20
                  anos e colocou o cadáver
                  no lugar da correspondência.
                  Fez os cálculo descontou os
                  20 anos e está outro, leve
                  disposto, rendendo o dobro,
                  investindo adoidado.
                  Nada mais não!
                 
MPerez - Década de 70, escrito em Balneário Daniela-Fpolis-SC. Publicado em 28/11/2014-Rio das Ostras-RJ

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