Diário de Classe
(Homenagem ao Dia do trabalho)
(Homenagem ao Dia do trabalho)
Ana cabisbaixa e manca se
dirigia para o ponto de ônibus carregada de livros, pastas, apostilas. Mais um
dia. Como sempre fazia o balanço da sua vida, lembrava-se da época em que os
filhos eram pequenos e que torcia para crescerem. Mais um dia...O ônibus chegou
lotado. Conseguiu entrar tropeçando. Nem sombra de lugar. Será que teria alguma
coisa na geladeira para comer quando chegasse em casa?! Laranja talvez, era a
salvação. Os passageiros, todos mártires e assustadores escravos de salários,
sem dormirem há séculos quem sabe...salvos de avalanches intermitentes.
Cantarolou mentalmente a Travessia de Milton Nascimento “Meu caminho é de pedra
como posso sonhar”. Desceu no ponto errado e dirigiu-se às pressas para casa
olhando pra trás e em
volta. Subiu o morrinho da sua rua. Puxa vida, havia sempre
um morro pra escalar desde que se conhecia por gente. Rua escura. Abriu o
portão e fechou rápido. Suspirou. Quando entrou no quarto livre da carga, atirou-se
na cama. Precisava tomar um banho. Não, amanhã cedo. Ligou a TV. Não tinha mais
nada. Era muito tarde. Que fome, meu Deus! Levantou-se cambaleando e voltou com
a bacia de inox cheia de laranja e uma faquinha. Odiava descascar laranja.
Olhou pro pôster de Elis Regina: é pau, é pedra...Amanhã precisava enviar
dinheiro para o Henrique. O especial Banespa já estava no osso. Pagar a
prestação da casa, o telefone. A sexta ainda estava longe. Sábado limpar a
casa, corrigir prova e domingo ir à feira, cozinhar pra semana e lavar roupa.
Comeu as laranjas com bagaço e tudo e tentou dormir. Bem que podia terminar
aquele poema. Qual? “Uma questão de poética” pro concurso de poesia falada.
Perdeu o sono. A caneta! A caneta? A eterna caneta, bastou querer some. – Achei!
Pegou do caderno ensebado e começou a rascunhar. Estava muito bom, mas longo.
Será que psicografava? Seu pai dizia sempre: essa menina tem guia! Não era
cega. A colega espírita Jandira sempre insinuava quando lhe mostrava algum
escrito: isto deve ser do Garcia Lorca, do Cruz e Souza e até do Fernando
Pessoa, conforme o texto. Será? Não, era ela mesma. Imagine se encarnava todo
aquele batalhão de gênios. Naturalmente deviam falar que aqueles poetas também
psicografavam. É duro ser de carne e osso!

MPerez - texto criado na década de 70 e publicado hoje em 1° de maio de 2014 - Rio das Ostras - RJ
Comentário: O pior é que não mudou nada...
Cotidiano, luta... Impossível não refletir sobre nossas vidas num texto assim. No ônibus lotado as histórias de cada pessoas se cruzam, se esbarram e se unem.
ResponderExcluirCurto muito seus texto MPerez. Bjs